Bases Históricas e Teóricas da Terapia Cognitivo-Comportamental

02/05/2011 18:16

Raquel Ayres de Almeida

 

 As bases empíricas das abordagens cognitivo-comportamentais remontam ao início do século XX a partir do pressuposto de que os princípios derivados da pesquisa sobre o aprendizado animal podiam ser generalizados ao homem (Hawton, Salkovskis, Kirk & Clark, 1997). A visão de uma continuidade entre a espécie humana e a dos outros animais inferiores, defendida pelo evolucionismo de Darwin, contribuiu e incentivou a realização de estudos com modelos animais para o entendimento do comportamento humano (Falcone, 2006; Lipp & Malagris, 2010).

Os pioneiros nos estudos com condicionamento, aplicando os métodos objetivos da fisiologia aos problemas da psicologia, foram Pavlov na Rússia (final do século XIX e início do século XX) e Thorndike na América (final do século XIX). Pavlov realizou várias experiências com cães, a partir das quais deu origem à teoria dos reflexos condicionados, condicionamento clássico ou pavloviano. De acordo com a teoria, uma resposta reflexa (salivação) poderia ser desencadeada por um estímulo incondicionado (carne) e esta mesma resposta de salivação também poderia ser desencadeada por um estímulo neutro (som), desde que tivesse sido associado previamente ao estimulo incondicionado (Borba, 2005; Falcone, 2006; Lipp & Malagris, 2010).

A partir dos achados sobre respostas condicionadas de medo eliciadas através do modelo de condicionamento, o paradigma de condicionamento clássico ou pavloviano passou a ter implicações para a compreensão de fenômenos psicopatológicos. Esses estudos passaram a influenciar pesquisadores norte-americanos, como Thorndike, que fez estudos com gatos e percebeu que os animais são capazes de produzir ações no meio dependendo das consequências dessas ações. Tais ações tenderão a se repetir ou não, dependendo das consequências serem positivas ou negativas. Esse fenômeno passou a ser conhecido como a “Lei do Efeito”. Skinner ampliou os estudos de Thorndike, definindo o esforço como um estímulo que aumenta a probabilidade de ocorrência de uma resposta, desenvolvendo um novo modelo de condicionamento, conhecido como condicionamento operante (Borba, 2005; Falcone, 2006).

Em 1913, Watson fundou o Behaviorismo pautando-se nos estudos de Pavlov, elaborando experimentos com seres humanos e utilizando os métodos usados na psicologia animal, sendo o seu objetivo principal a predição e o controle do comportamento. O behaviorismo de Watson trouxe a noção de continuidade entre as espécies, ou seja, o não reconhecimento de uma linha divisória entre os animais irracionais e o homem. Watson não negava a existência da consciência, mas não a adotava enquanto objeto de estudo objetivo, por considerá-la de caráter subjetivo e inadequado para um exame científico (Borba, 2005; Lipp & Malagris, 2010).

Skinner (década de 1930), por meio de experimentos com ratos, desenvolveu a Análise Experimental do Comportamento, que serviu de base para o behaviorismo radical, que considerava o comportamento como uma reação fisiológica a um estímulo externo (Borba, 2005; Lipp & Malagris, 2010).

A fase Neobehaviorista (1930-1950) foi responsável pela teoria da aprendizagem considerando a mediação cognitiva como variável presente no processo de aprendizagem. Dentre seus principais representantes pode-se citar: Hull (teoria do Reforço, 1941), Guthrie (teoria da Contiguidade, 1935), Tolman (teoria Cognitiva, 1935), além de outros teóricos, tais como Spencer (1960), Miller e Dollard (1941 e 1952) e Mowre (1930 e 1960) que expandiram os conhecimentos anteriores (Borba, 2005; Lipp & Malagris, 2010).

 No final dos anos 60 e início da década de 70, iniciou-se um movimento de insatisfação com os modelos estritamente comportamentais que dominaram os primeiros avanços, embora alguns modelos de condicionamento tenham apontado a existência de processos cognitivos como mediadores de estímulos anteriormente (Falcone, 2006; Rangé, Falcone & Sardinha, 2007; Hawton et al., 1997).

A insatisfação com as abordagens comportamentais rígidas resultou em tentativas de se acrescentar componentes cognitivos já existentes, abrindo caminho para o desenvolvimento e aplicação das abordagens cognitivas (Hawton et al., 1997). Além disso, à medida que a insatisfação com o modelo restrito não-mediacional de estímulo e resposta do comportamento aumentava, os modelos psicodinâmicos de personalidade e de terapia estavam sendo rejeitados e suas técnicas psicanalíticas questionadas quanto à eficácia (Dobson & Scherrer, 2004; Rangé, Falcone & Sardinha, 2007).

Dentre os autores que participaram da “revolução cognitiva”, Albert Bandura (1969) foi um dos críticos mais poderosos do modelo de condicionamento operante e suas contribuições serviram de base para o movimento mediacional. Bandura propôs uma compreensão da aprendizagem sem tentativa, conhecida como “modelação”, que é altamente frequente entre os seres humanos e que ocorre pela observação de um modelo, sem a necessária reprodução do comportamento. Sua crítica à aprendizagem pelas consequências refere-se ao fato de que o indivíduo deve se comportar antes de aprender, ou seja, o modelo operante pressupõe que o indivíduo somente aprenderá após ocorrência de reforçadores que se sucedem a sua resposta (Falcone, 2006; Rangé, Falcone & Sardinha, 2007; Knapp & Beck, 2008).

Bandura ainda enriqueceu a literatura sobre os processos que controlam o comportamento com inúmeras pesquisas sobre processamento de informações, aprendizagem vicária, autoeficácia, autodesempenho, autocontrole, motivação, entre outras (Borba, 2005; Lipp & Malagris, 2010; Hawton et al., 1997). Seus estudos suscitaram questões sobre o modelo comportamental tradicional disponível até então e apontou limitações de uma abordagem comportamental não-mediacional para explicar o comportamento humano (Knapp & Beck, 2008).

Outro autor que merece menção é Meichenbaum (década de 70), com seus estudos sobre treinamento autoinstrucional, no qual mudanças comportamentais poderiam ser obtidas por meio de mudanças em autoinstruções. Essa talvez tenha sido a primeira abordagem totalmente cognitiva a despertar interesse entre os pesquisadores comportamentais em função de sua base teórica simples e sua semelhança com o conceito de “comportamentos encobertos” ou comportamento operante (Lipp & Malagris, 2010; Hawton et al., 1997).

Outro autor importante no desenvolvimento das terapias cognitivo-comportamentais, Albert Ellis desenvolveu, em 1955, a Psicoterapia Racional-Emotiva, atualmente chamada de Terapia Racional-Emotiva-Comportamental. Ellis passou a defender a ideia de que as reações emocionais do indivíduo decorrem da visão que este tem do evento, e não do evento em si. Dessa forma, os conteúdos específicos das cognições e/ou crenças de um indivíduo influenciam suas emoções e ações, pressupondo que a causa dos problemas humanos estava nas crenças irracionais que levam o ser humano a um estado de desadaptação (Borba, 2005). Ellis elaborou 12 crenças irracionais mais comuns, que embasariam as interpretações dos eventos por parte do indivíduo e gerariam as reações emocionais desadaptativas (Ellis, 1973; Rangé, 2001).

O modelo de terapia de Ellis envolve a identificação das crenças irracionais e a promoção de debate com o cliente a fim de questionar as crenças e alterá-las, baseado num modelo educacional em que o cliente aprende sobre o seu problema e sobre como manejá-lo (Rangé, 2001). 

Em 1967, Aaron Beck elaborou o seu modelo cognitivo em decorrência de sua insatisfação com os resultados do uso da psicanálise com seus pacientes depressivos. O modelo cognitivo de Beck enfatiza que os pensamentos influenciam as nossas emoções e comportamentos. Dessa forma, o processamento cognitivo (pensamento) sobre um dado acontecimento influencia diretamente os afetos e comportamentos de uma pessoa. A Terapia Cognitiva é uma psicoterapia estruturada que se baseia num modelo educacional e utiliza estratégias cognitivas e comportamentais, sendo a tarefa de casa um aspecto central do tratamento (Beck, 1997).

Importante salientar que, apesar da denominação “Terapia Cognitiva”, Beck admite a importância da terapia comportamental para o desenvolvimento da terapia cognitiva, na qual são utilizadas estratégias comportamentais. Como o próprio Beck (1997) enfatiza no Prefácio do livro “Terapia Cognitiva da Depressão” de Beck, Rush, Shaw e Emery (1997), essa dimensão da terapia cognitiva levou alguns autores a re-rotular a abordagem como “terapia comportamental cognitiva”. Beck, Rush, Shaw e Emery (1997) afirmam que “O terapeuta pode estar conduzindo terapia cognitiva embora esteja utilizando predominantemente técnicas comportamentais ou abreativas (de liberação de emoção)” (p. 86).

Um número crescente de teóricos e terapeutas começou a se identificar como “cognitivo-comportamentais” em termos de orientação. Aliado a esse fato, as pesquisas de resultados das intervenções clínicas cognitivo-comportamentais, constituíram um fator contextual de desenvolvimento dessa abordagem (Knapp & Beck, 2008; Rangé, Falcone & Sardinha, 2007; Falcone, 2006).

Nos últimos anos, muitas outras abordagens cognitivo-comportamentais emergiram e evoluíram do modelo conceitual original cognitivo e cognitivo-comportamental. Algumas abordagens de TCC foram desenvolvidas para tratar indivíduos com psicopatologias mais graves, como a terapia do esquema, desenvolvida por Jeffrey Young em 2003 e a terapia comportamental dialética, desenvolvida por Marsha Linehan, em 1993 (Knapp & Beck, 2008).

Segundo Mahoney e Lyddon (1988, citados por Borba, 2005) o termo Terapia Cognitivo- Comportamental abrange uma variedade de mais de 20 abordagens dentro do modelo conceitual original. Porém, de acordo com Dobson (2001) algumas proposições fundamentais definem as características que estão no núcleo das TCC: a atividade cognitiva influencia o comportamento; a atividade cognitiva pode ser monitorada, avaliada e medida; e o comportamento desejado pode ser influenciado mediante a mudança cognitiva.  

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