POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DA PSICOTERAPIA BREVE EM HOSPITAL GERAL

 

Raquel Ayres de Almeida

 

Artigo publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, vol. 13, nº 01, ano 2010, pp 94-106. Disponível em: https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582010000100008&lng=pt&nrm=iso

 

 Resumo

 Diante da escassez de oportunidades de atendimentos psicoterapêuticos para a população e das crescentes filas de espera nas instituições que oferecem esse tipo de atendimento, vale repensar métodos e técnicas de atendimento com duração inferior às terapias convencionais, visto que há uma crescente necessidade de diminuir o tempo de tratamento. Diante disso, a instituição hospitalar aparece como uma possibilidade de atuação do profissional que, utilizando uma abordagem focalizada e de tempo limitado, permitiria uma rotatividade maior das filas de espera nos serviços públicos e conveniados de saúde. Perante esses aspectos, este estudo, realizado através de uma revisão de literatura, dedicou-se a analisar os aspectos da psicoterapia breve e aspectos do trabalho do psicólogo hospitalar para discutir a possibilidade da utilização dessa técnica de intervenção na instituição hospitalar. De acordo com os aspectos discutidos nesse trabalho a respeito da utilização da psicoterapia breve na instituição hospitalar, ficou claro que sua utilização não é indicada em todas as unidades hospitalares, por conterem características que não vão de encontro com os critérios de indicação da mesma. Porém, a unidade que possui uma demanda mais exacerbada para acompanhamento psicoterapêutico é a unidade ambulatorial, na qual a PSICOTERAPIA BREVE se mostrou viável de ser aplicada. 

 

 Introdução

 O hospital ainda é uma instituição marcada por situações extremas, por sofrimento, por dor e pela luta constante entre vida e morte e, no adoecimento, potencializam-se angústias, medos, inseguranças, raivas, revoltas, não só para os doentes e familiares, mas também para o profissional de saúde, sempre preparado para a cura, mas em constante tensão diante da morte. (Bruscato, 2004).

A partir disso, a Psicologia Hospitalar surge em busca de resgatar o subjetivo em situações associadas ao adoecimento em instituições de saúde. Assim, um dos objetivos do psicólogo que atua nessa área é tentar minimizar o sofrimento do paciente e de sua família. O trabalho é focal, centrando-se no sofrimento e nas repercussões da doença no paciente e na hospitalização, associados a outros fatores como história de vida, forma como ele assimila a doença e seu perfil de personalidade. (Ismael, 2005).

Sabe-se que experiências tensionais da vida diária ajudam no desevolvimento de doenças crônicas e agudas, da mesma forma que, uma doença física está frequentemente associada a distúrbios emocionais ou psicológicos que, se não tratados, podem contribuir para seu agravamento e até sua cronificação. Portanto, quando se fala de um paciente hospitalizado, não se devem excluir os processos emocionais e sociais na tentativa de compreender e diagnosticar a doença, desde sua instalação até o seu desenvolvimento. (Ismael, 2005; Romano, 1999).

Tratar a doença implica uma série de ameaças: à integridade física, à auto-imagem, ao equilíbrio emocional e ao ajustamento a um novo meio físico e social. O ambiente hospitalar, o tratamento e a manipulação do paciente por pessoas desconhecidas agridem-no tanto física quanto emocionalmente. O impacto do adoecimento gera reações que podem ser patológicas ou não, variando com a personalidade do paciente e sua capacidade de adaptação nesse processo de doença e internação. (Ismael, 2005).

Segundo Romano (1999), a importância da presença de um psicólogo no meio hospitalar foi reconhecida quando os médicos e profissionais de saúde se deram conta de que há um lado “obscuro, inconsciente” que gera conflitos e queixas, que complicam evoluções e reduzem a eficácia terapêutica. Perceberam, então, que os aspectos emocionais podem alterar as reações e habilidades, modificando a aderência ao tratamento e possibilitando a tomada de decisões que influenciam as chances de sobreviver. Outro aspecto que incorporou a necesidade de compartilhar o espaço hospitalar com o psicólogo foi a exigência crescente da humanização aos cuidados recebidos, que se refere a dois enfoques: condições de trabalho e dispensação de cuidados ao doente.

O trabalho em hospitais se diferencia de todos os outros nos quais o psicólogo atua. A começar pelo espaço físico que é tumultuado e de domínio do médico, dificilmente há privacidade para um atendimento psicológico, não só pelas lotações das enfermarias, mas também pelas freqüentes interrupções de outros funcionários, como enfermeiros e técnicos, que precisam seguir com a rotina do hospital. Dessa forma, muitas vezes o atendimento é realizado na presença de outras pessoas. Outra característica importante, e talvez a mais importante para este trabalho, é o tempo disponível para atendimento, visto que o paciente internado receberá alta, não havendo continuidade no tratamento psicológico. Esse tempo varia com a duração da internação, que pode ser dias, semanas ou meses, dependendo da gravidade e da cronicidade do caso. Esse tempo pode ainda ser um tempo para recuperação da saúde ou um tempo de morrer.

Há outra modalidade de atendimento em hospitais que difere dos atendimentos em enfermarias e quartos. São os atendimentos clínicos ambulatoriais. Nesses atendimentos, geralmente o psicólogo possui uma sala para realizar o atendimento. Dessa forma, a questão da privacidade é mantida, mas a duração da sessão é reduzida, se comparada com a clínica particular, variando de 20 a 40 minutos, dependendo da instituição. Nesses casos, o tempo de tratamento é mais prolongado e o paciente é atendido semanalmente, durante meses ou anos. Entretanto, diante da escassez de oportunidades de atendimentos públicos para a população, as instituições que oferecem esse tipo de atendimento geralmente possuem uma fila de espera, evidenciando a demanda crescente de necessitados.

Diante desses aspectos, vale repensar técnicas e métodos de atendimento que viabilizem atendimentos nas enfermarias e terapêuticas ambulatoriais e cuja duração seja inferior às terapias convencionais, como a psicanálise, visto que há uma crescente necessidade de diminuir o tempo de tratamento para viabilizar o atendimento da massa.

         Na busca de tratamentos de curta duração que possam promover alívio ao sofrimento psíquico, uma das técnicas possíveis é a psicoterapia breve. O objetivo deste presente trabalho é discutir a utilização da psicoterapia breve de base analítica na instituição hospitalar. Para isso, serão analisados os objetivos, critérios de indicação e planejamento da psicoterapia breve, avaliando os resultados referentes a trabalhos divulgados. Será feita também uma análise do campo hospitalar, discutindo suas particularidades, o perfil dos pacientes a serem atendidos, o tipo de atendimento necessário para o referido público de acordo com o setor no qual o paciente será atendido, ou seja, enfermaria cirúrgica, centro de terapia intensiva, ambulatório, entre outros. Por fim, será discutida a aplicabilidade da psicoterapia breve na realidade hospitalar.

 

Discussão

As psicoterapias breves são terapias de objetivos limitados por terem suas metas mais reduzidas e mais modestas que as psicoterapias convencionais. Essa limitação é uma das principais características do procedimento da psicoterapia breve e aparece em função das necessidades imediatas do indivíduo. Esses objetivos podem colocar-se em termos da superação dos sintomas e problemas atuais da realidade do paciente.

O foco aparece, então, como orientador de toda teoria e condição essencial de eficácia em psicoterapia breve, muitas vezes chamada de psicoterapia focal. O foco ou conflito focal refere-se ao conflito ou situação atual do paciente, subjacente ao qual existe o conflito nuclear exacerbado. Esse foco deve ser resolvido por ação direta e específica, negligenciando os outros aspectos da personalidade. Fiorini (2004) deu a essa estratégia de atenção seletiva o nome de “omissões deliberadas”, no qual se deve deixar passar material atraente sempre que este se mostre irrelevante ou afastado do foco.

Como é praticamente impossível que uma pessoa tenha apenas um conflito, visto a multicausalidade de uma psicopatologia psicodinâmica, é preciso detectar determinadas situações conflitivas mais significativas em determinado momento, que são as que precipitam a consulta. Há que se fazer uma diferenciação entre a psicoterapia focal e a psicoterapia breve: na primeira, procura-se resolver a queixa do paciente ou um conflito predominante; na segunda, trata-se de ajudar a encarar os diversos conflitos predominantes que determinam variados quadros na psicopatologia psicodinâmica. (Knobel, 1986).

Na terapia breve é comum que se fixe um prazo para o tratamento previamente, em geral alguns meses. Essa peculiaridade se justifica pelo fato de que, “quando se fixa um prazo de encerramento, este cria invariavelmente uma situação bastante diferente (...) influenciando de modo decisivo os diferentes aspectos do vínculo terapêutico, em especial a finalização do tratamento”. (Braier, 1991, p. 19).

Esses princípios, a dizer foco e temporalidade, norteiam todas as formas de psicoterapia breve. Existem outros princípios que variam de acordo com a fundamentação teórica de cada abordagem, variando as técnicas utilizadas por cada uma. Nesse artigo, serão expostas as técnicas de alguns autores em psicoterapia breve, a saber: Knobel(1986), Gilliéron (1986), Braier (1991) e Fiorini (2004). Esses autores foram selecionados a partir de uma identificação prévia da autora com a aplicabilidade das técnicas e referencial teórico dos autores.

A técnica proposta por Knobel (1986) se sustenta em quatro princípios: é não-transferencial, não-regressiva, elaborativa de predomínio cognitivo, e de mutação objetal (experimentar uma nova vivência de uma situação conflitiva). Segundo o autor, a entrevista inicial é fundamental para determinar o futuro da relação terapêutica, que pode iniciar ou acabar nesse momento. Essa entrevista deve permitir fundamentar um diagnóstico holístico, biopsicosocial, fenomenológico e metapsicológico, para assim, determinar que tipo de tratamento se irá realizar.

Nessa entrevista, deve-se avaliar a capacidade egóica, as estruturas mais ou menos patológicas e mais ou menos rígidas, os mecanismos de defesa utilizados na entrevista e os potenciais do entrevistado, sua capacidade intelectual, de simbolização e abstração, suas limitações totais, sua tonalidade afetiva diante de determinados assuntos e problemas apresentados. A modalidade relacional, ou seja, sua forma básica de comportamento e relacionamento com o terapeuta é um aspecto fundamental a ser determinado. Deve-se registrar também as manifestações transferenciais, que ajudam a compreender os problemas apresentados, além das contratransferenciais que podem direcionar o tratamento. Um fator importantíssimo para o autor na entrevista inicial é avaliar os aspectos resistenciais do entrevistado, assim como sua disponibilidade para uma terapia, ou seja, a motivação real do próprio paciente.

O autor salienta que a “entrevista inicial” geralmente não ocorre em uma única sessão ou um único encontro. Ao final da entrevista deve-se efetuar a devolução do material, através do qual se faz uma avaliação da entrevista, formulação de um diagnóstico e uma proposta terapêutica.

Uma vez decidida a proposta de psicoterapia breve, e aceita pelo paciente, deve-se formalizar a relação contratual que dará os limites mais precisos do enquadre psicoterapêutico e o colocará dentro de uma realidade operativa. Fiorini (2004) e Braier (1991) também se ocupam desse tema. Os autores concordam que é na entrevista inicial que se fala de acordos específicos ou contrato, no qual se deve falar o que é uma psicoterapia, de quais são os papéis a serem desempenhados pelo terapeuta e o paciente, e o que se espera que cada um faça da necessidade de antecipar resistências e de uma formulação realista do que se espera de uma psicoterapia de pouca duração, na qual, diante da possibilidade de não resolução dos problemas, se ajudará o paciente a entendê-los melhor e a enfrentá-los com maior capacidade. Além desses aspectos, deve-se também abordar a questão dos honorários, férias e horários, e propor uma duração.

Gilliéron (1986) vive um momento de passagem da psicanálise para as psicoterapias breves e por isso sua técnica não é tão ativa. Para ele, o enquadre psicoterápico compreende os dados fundamentais que delimitam o campo da psicoterapia breve, dado que modifica as condições da interação dinâmica. Sua técnica, desenvolvida em Lousanne, se baseia essencialmente na limitação temporal e a disposição face a face. O autor pede ao paciente que indique o tempo que ele se atribui para resolver suas dificuldades, não limitando ele próprio o tempo de tratamento.

Gilliéron utiliza a associação livre, sem determinar previamente o problema consciente a ser tratado, ou seja, não enfoca uma problemática a ser tratada e não exige do terapeuta uma atitude ativa. O terapeuta, de acordo com sua técnica, deve ter sua atenção flutuante. Segundo o autor, a função do enquadre é criar uma “situação relacional” própria para favorecer a atividade do terapeuta e sua eficácia. As intervenções do terapeuta devem favorecer as associações e permitir tomadas de consciência, mas não deve dirigi-lo.

A psicoterapia breve de Braier (1991) é orientada em direção ao insight, ou seja, o principal propósito da “terapia dinâmica breve” é propiciar ao paciente a aquisição de insight por meio de interpretações. O autor define insight como a aquisição do conhecimento da própria realidade psíquica. Essa busca de insight é dirigida para as relações do sujeito com os objetos externos de sua vida cotidiana e presente, sendo portanto, limitado e não regressivo. Braier afirma que na psicoterapia breve não é conveniente favorecer o desenvolvimento da regressão nem de uma neurose transferencial, dado que as condições do paciente e/ou enquadramento não são apropriadas para tais fins. Para o autor, a aquisição de insight por parte do paciente é a forma mais apreciada de se conseguir o fortalecimento de seu ego.

O trabalho terapêutico em psicoterapia breve, segundo Braier, tem como característica substancial o foco, ou seja, estar “enfocado” para determinada problemática do paciente, que adquire prioridade, dada sua urgência e/ou importância, enquanto se deixam de lado as demais dificuldades. Para isso, há uma eleição dos conflitos a serem tratados. Braier utiliza o conceito de “ponto de urgência” que “corresponde à situação psíquica inconsciente de conflito que, pela ação de fatores atuais, predomina no sujeito num dado momento, sendo motivo de determinadas ansiedades e defesas.” (Braier, 1991, p.44). O ponto de urgência pode ser inerente ao foco ou ser relativamente estranho a ele.

O autor, em sua técnica, admite a associação de diversos elementos ou recursos terapêuticos, como “psicodrogas”, técnicas grupais, comunitárias, além das intervenções verbais não-interpretativas (assinalamentos, sugestões, fornecimento de informações, etc.). O planejamento da psicoterapia breve de Braier compreende um plano de tratamento prévio ao desenvolvimento do mesmo, no qual se fixam os pontos fundamentais do processo terapêutico além das metas e da duração do tratamento.

 A terapêutica breve de Fiorini (2004) orienta-se fundamentalmente no sentido da compreensão psicodinâmica dos determinantes atuais da situação de doença, crise ou descompensação, além de uma compreensão psicodinâmica da vida cotidiana do paciente e compreensão da estrutura da personalidade como uma subestrutura, visto que não encerra em si a totalidade das determinações da estrutura “doença”. Fiorini, partindo do pressuposto de que o paciente é capaz de conservar grau variável de comportamento realista adaptativo, refere que a estratégia de psicoterapia breve deve levar em conta quais capacidades se acham invadidas por conflitos e quais se acham livres delas, organizando os recursos do indivíecursos do indivevar em conta quais capacidades se acham invadidas por conflitos e quais se acham livres delas, organizando os duo de forma maleável. Dessa forma, se orienta para o fortalecimento das áreas livres de conflito, caracterizando a psicoterapia breve como psicoterapia do “ego”.

O autor afirma que uma das características básicas das terapêuticas breves é operar com uma estratégia multidimensional, já que o indivíduo doente surge como um objeto complexo, multideterminado por fatores suscetíveis de integrar estruturas diversas, tornando-se necessária a flexibilidade na escolha da técnica. Esse princípio da flexibilidade se aplica não só à individualização desta, mas também à remodelação periódica da estratégia e das táticas em função da evolução do tratamento.

Segundo a teoria de Fiorini o terapeuta deve desempenhar na terapia breve um papel essencialmente ativo, dispondo para isso, de uma ampla gama de intervenções. Sua participação orienta a entrevista de modo mais direto, não permitindo que o curso da terapia seja entregue à espontaneidade do paciente. Para isso, o terapeuta elabora um plano de abordagem individualizado a partir da avaliação da situação total do paciente e compreendendo a estrutura dinâmica essencial de sua problemática. Fiorini chama esse plano de “projeto terapêutico”, que estabelece metas a serem atingidas em prazos aproximadamente previsíveis. Essa orientação estratégica das sessões significa focalização do esforço terapêutico, através do qual o terapeuta atua mantendo um foco, que seria a interpretação central sobre a qual se baseia todo o tratamento.

Outro aspecto importante da técnica de Fiorini é a limitação das possibilidades de regressão transferencial em virtude das condições de enquadre, visto que o tempo limitado de tratamento torna indesejável o desenvolvimento de uma intensa neurose transferencial. Nessa técnica também não se busca a regressão, sendo a recomendação geral a orientação constante para a realidade, fortalecendo no paciente sua capacidade de discriminação.

 

Indicações e contra-indicações

 A situação social atual nos mostra que para grande parcela da população a opção que existe é ou tratamentos limitados ou nenhum tratamento, independente de quais sejam os transtornos. Diante dessa falta de opção assistencial, uma terapia breve pode beneficiar todos os pacientes. (Knobel, 1986; Braier, 1991; Fiorini, 2004). Porém, existem os pacientes que se beneficiam mais com esse tipo de tratamento.

Em primeiro lugar, é preciso que se recorra, com critério e segundo cada caso, à técnica interpretativa e à de fortalecimento do ego. Sendo os objetivos limitados, dependerá do próprio caso clínico e do psicoterapeuta poder estabelecer esses objetivos. Para isso, é necessário detectar na primeira entrevista o problema neurótico circunscrito. (Knobel, 1986; Braier, 1991).

Os principais critérios de indicação para uma psicoterapia breve são: inteligência acima do normal; ter tido pelo menos uma relação significativa com outra pessoa durante sua vida; estar vivendo uma crise emocional; capacidade para interatuar bem com o terapeuta-entrevistador e expressar sentimento; motivação para um trabalho duro durante o tratamento; uma queixa principal específica; reconhecimento do caráter psicológico de suas perturbações; capacidade de introspecção que lhe permita transmitir honestamente o que possa reconhecer de si mesmo; desejo de se compreender e uma atitude de participação ativa na procura; disposição para tentar mudanças. (Knobel, 1986; Braier, 1991; Fiorini, 2004).

Alguns autores citam ainda que o paciente deve sofrer de transtornos de início recente e agudo que motivem o tratamento, a psicopatologia deve ser de caráter leve e circunscrito, ter uma personalidade básica sadia, história de relações pessoais satisfatórias e estar num momento propício. (Knobel, 1986; Braier, 1991).

A psicoterapia breve pode fracassar em alguns casos ou produzir variações superficiais, com o desaparecimento de sintomas e a instalação de uma pseudo-adaptação num nível regressivo. Uma terapia não pode, em prazos limitados, suscitar mudanças na estrutura da personalidade, embora possa produzir modificações dinâmicas não-desprezíveis. (Fiorini, 2004).

 

Utlização da psicoterapia breve no hospital

Os modelos atuais de atuação do psicólogo clínico raramente se aplicam na instituição. A forma habitual de diagnósticos e de psicoterapia não satisfaz a exigência para o atendimento do número de pacientes. “Na realidade das instituições médicas e hospitalares, os psicólogos precisam enfrentar outro desafio, do definir um modelo de atuação voltado à saúde mental da coletividade”. (Ismael, 2005, p.22).

 

Ambulatório. Uma vez observado pelo médico algum problema emocional a ser cuidado, o paciente chega ao ambulatório de Psicologia trazendo, além da queixa da doença, problemas pessoais adjacentes, familiares e profissionais. A aceitação da doença muitas vezes é difícil, sendo comum observar comportamentos de revolta ou conformismo, que são mecanismos de defesa para preservar o ego de situações que ameaçam sua integridade. Outros mecanismos comuns são a negação, a regressão e a racionalização. (Ismael, 2005).

Nesse sentido, o principal desafio do profissional é tentar fazer o paciente aceitar a doença e não lutar contra ela, além de ajudá-lo a conviver com ela sem sofrimento adicional. Essas são tarefas que, de acordo com os critérios de indicação de Psicoterapia Breve, se encaixam na prática da mesma, tendo um foco delimitado e objetivos definidos.

Mesmo que o acompanhamento psicoterapêutico não esteja relacionado a uma doença física, mas a transtornos neuróticos, e respeitando-se os critérios de indicação e limitando-se os objetivos da psicoterapia, o ambulatório é o ambiente que mais se adequada a uma prática de psicoterapia breve. A possibilidade de um setting adequado, com disposição face-a-face e disponibilidade de tempo de consulta sem interrupções, e a limitação da duração da terapia por questões sociais, indicam que a modalidade de psicoterapia abordada neste trabalho pode ser uma das mais adequadas para o tratamento em ambulatório clínico hospitalar.

 

Emergência. Na emergência ou pronto-socorro de um hospital, o paciente chega para ser atendido prontamente por uma equipe a fim de restabelecer sua saúde. Nessa unidade hospitalar, todos os sentimentos e reflexões comuns a uma internação, como a realidade de morte, incapacidade de cuidar de si mesmo, medo de invalidez, entre outros, são multiplicados, variando de acordo com cada paciente e com sua história pessoal. (Romano, 1999).

O psicólogo na unidade de emergência precisa de habilidades que envolvam rapidez de raciocínio, perícia em ações e contar com o apoio de recursos da comunidade para os devidos encaminhamentos, visto que na emergência nem sempre o paciente ficará internado, impossibilitando um efetivo acompanhamento psicoterapêutico. Diante da agilidade do atendimento, o atendimento do psicólogo visa à expressão do paciente, possibilitando que este externalize fantasias e sentimentos em relação à doença ou hospitalização. Dessa forma, a intervenção psicoterapêutica é breve, mas não se objetiva realizar uma psicoterapia, apenas uma intervenção de emergência.

 

Enfermaria. As enfermarias são as unidades de internação de um hospital. Neste local, o paciente perde a sua individualidade, sente uma brusca ruptura no seu cotidiano, sente-se agredido pela rotina hospitalar e seu horário rígido, além de ser separado de seus familiares e amigos, sofrer uma perda do autocontrole, quebra no sentimento de onipotência e controle sobre si mesmo. O período da hospitalização incita o paciente a ficar mais introspectivo e passar um processo de reavaliação de vida e valores. (Castro & Guarín, 1985; Ismael, 2005). Essa unidade é a essência do trabalho do psicólogo hospitalar, tal qual foi descrito no capítulo 2 deste trabalho.

O psicólogo na internação irá abordar com o paciente sua hospitalização, o que ela significa para o doente e para sua família, além de tentar conhecer um pouco de sua história de vida e de sua doença. É ele quem procura o paciente, oferece ajuda e ficará disponível a ele e sua família.

Porém, no hospital, o tempo de permanência é variável e cada vez menor. As questões psicológicas a serem abordadas não devem ser profundas e sem previsão para o término da abordagem. Esta deve ser focal, visando sempre àqueles aspectos estritamente relacionados com a doença, as dificuldades adaptativas à instituição hospitalar, ao processo de adoecer e aos meios diagnósticos. (Romano, 1999).

Para além da necessidade de uma abordagem focal, existem fatores que contra-indicam a abordagem da psicoterapia breve: o espaço físico não é privativo ao atendimento psicológico, sendo o ambiente pontuado de interferências como a presença de outros profissionais, interrupções freqüentes para exames e administração de medicamentos, além dos companheiros de quarto que freqüentemente tentam participar da “conversa”. (op cit.). Além dessas eventualidades, outro fator contrário à utilização da psicoterapia breve é a variabilidade da permanência na instituição, impedindo um planejamento de objetivos e de tempo.

 

Unidades de terapia intensiva. As pricipais características dessas unidades são gravidade das condições clínicas, cuidados intensivos, rápidos e eficientes da equipe e a rotatividade da ocupação dos leitos. A atuação do psicólogo se baseia em criar condições de comunicação, avaliar quadros psicopatológicos decorrentes de “síndromes da UTI” e ser o elo entre paciente/equipe/família. Pelos mesmos motivos citados na internação, a utilização da psicoterapia breve não é indicada.

  

Conclusões e Considerações Finais

O presente trabalho procurou analisar aspectos da psicoterapia breve e aspectos do trabalho do psicólogo hospitalar para discutir a possibilidade da utilização dessa técnica de intervenção na instituição hospitalar. Esse trabalho se mostrou relevante diante do número crescente de filas de espera por atendimento psicoterapêutico. Nesse viés, a instituição hospitalar apareceu como uma possibilidade de atuação do profissional que, utilizando uma abordagem focalizada e de tempo limitado, permitiria uma rotatividade maior das filas de espera nos serviços públicos e conveniados de saúde.

Diante dos aspectos discutidos nesse trabalho a respeito da utilização da psicoterapia breve na instituição hospitalar, ficou claro que sua utilização não é indicada em todas as unidades hospitalares, por conterem características que não vão de encontro com os critérios de indicação da mesma. Porém, a unidade que possui uma demanda mais exacerbada para acompanhamento psicoterapêutico é a unidade ambulatorial, na qual a psicoterapia breve se mostrou viável de ser aplicada.  

Dessa forma, o presente trabalho se direciona a ajudar os profissionais de psicologia que, ao iniciar sua atuação dentro de um hospital se deparam com uma demanda extensa de pacientes necessitando acompanhamento, para que o mesmo possa avaliar as possibilidades de uma atuação mais breve e focal nas diferentes unidades hospitalares.

  

Referências Bibliográficas

 

Braier, E.A. (1991). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes.

Bruscato, W.L. A psicologia no Hospital da Misericórdia: um modelo de atuação. In W.L. Bruscato; C. Benedetti & S.R.A. Lopes (org). (2004). A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: novas páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Castro, E.R. & Guarín, M.R. (1985). Un modelo de Psicoterapia Breve en pacientes hospitalizados con grave enfermedad somática. Rev. Col. de Psiquiatría. 14 (2), 244-257.

Fiorini, H.J. (2004). Teoria e Técnicas de Psicoterapias. São Paulo: Martins Fontes.

Gilliéron, E. (1986). As Psicoterapias Breves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Ismael, S.M.C. A inserção do psicólogo no contexto hospitalar. In S.M.C. Ismael (org). (2005). A prática psicológica e sua interface com as doenças. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Knobel, M. (1986). Psicoterapia Breve. São Paulo: EPU.

Romano, B.W. (1999). Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo: Casa do Psicólogo.