A Psicoterapia Breve e seu Desenvolvimento
19/06/2010 19:09
A PSICOTERAPIA BREVE
Raquel Ayres de Almeida
Lançada a partir da preocupação de alguns psicanalistas em encontrar formas de abreviar o sofrimento de seus pacientes, a psicoterapia breve se desenvolveu e se estendeu a outros tipos de atuação além da clínica.
As psicoterapias breves são tratamentos de natureza psicológica de duração muito inferior à de uma psicanálise clássica. Existe uma multiplicidade de propostas e de formas de trabalho, desenvolvidas por diversos autores, que serão abordados neste capítulo. (Gilliéron, 1986; Oliveira, 1999).
As psicoterapias breves têm como principal característica, destoante em relação às outras técnicas, a disposição espaço-temporal. Elas se distanciam da psicanálise pela passagem ao face-a-face, e afastam-se de outras técnicas psicoterápicas pela limitação da duração. Essa limitação, quando implícita, é compensada por uma atitude mais ativa do terapeuta, ao passo que, quando explícita, essa compensação não é necessária. (Gilliéron, 1986).
As psicoterapias ditas breves têm como característica comum utilizarem certas modificações no enquadre e na técnica. Porém, apesar de todas utilizarem a disposição face-a-face, o manejo do tempo é muito variável, visto que algumas fixam prazos precisos e outras não fixam nenhum prazo. Há ainda aquelas intermediárias com prazos bastante flexíveis. (op cit.).
Contudo, não é só o tempo de duração que é limitado: a psicoterapia breve é uma intervenção terapêutica com objetivos limitados, que são estabelecidos a partir de uma compreensão diagnóstica do paciente e da delimitação de um foco. Porém, deve-se considerar que esses objetivos sejam passíveis de serem atingidos num espaço de tempo limitado através de determinadas estratégias clínicas. (Oliveira, 1999).
Para isso, a psicoterapia é direcionada por condições diferenciais que a caracterizam como breve: o terapeuta deve desempenhar um papel essencialmente ativo, se utilizando de uma ampla gama de intervenções; compreendendo a estrutura dinâmica da problemática do paciente, ele elabora um plano terapêutico, com metas a serem atingidas em determinado tempo; para alcançar esses objetivos, ele esboça uma estratégia geral baseada na focalização, que seria manter em mente um foco a ser interpretado e no qual se baseia todo o tratamento. O paciente é orientado a esse foco através de interpretações parciais, atenção seletiva e “omissões deliberadas”, que significa deixar passar material atraente sempre que este se mostre irrelevante ou afastado do foco. Fiorini (2004) afirma que “a focalização da terapia breve é sua condição essencial de eficácia” (p. 29). Uma avaliação dinâmica continuamente atualizada à medida que o tratamento evolui, leva o terapeuta a fazer reajustes visando conseguir o máximo de rendimento do tratamento. Essa remodelação periódica da estratégia e das táticas é chamada “princípio da flexibilidade”. Essas características são os parâmetros específicos da psicoterapia breve. (Fiorini, 2004).
Para entender como as psicoterapias breves surgiram e quais os principais autores que desenvolveram as propostas e formas de trabalho, será feito um breve histórico e referência a alguns desses autores.
O Desenvolvimento das Psicoterapias Breves
Sabe-se que os primeiros tratamentos de Freud foram muito curtos, uma vez que dificilmente ultrapassavam um ano de duração, e vários foram realizados em apenas algumas horas, como os casos relatados nos “Estudos sobre a histeria” (1896), com alguns tratamentos durando uma sessão (caso Katharina) e outros algumas semanas (como Emmy V.N. e Lucy R.). (Freud, 1896; Oliveira, 1999).
Alguns autores destacam que a maioria dos famosos casos clínicos de Freud eram experiências de psicoterapia breve, que, estudados com muita profundidade, deram a base sólida à teoria psicanalítica. É possível encontrar algumas semelhanças entre essa forma de trabalho e algumas propostas de psicoterapia breve atual: Freud buscava a remissão de sintomas através da análise e compreensão de sua etiologia assumindo, como terapeuta, uma atitude mais ativa. (Knobel, 1986; Braier, 1991; Gillierón, 1993; Oliveira, 1999).
Porém, no decorrer do tempo, Freud muda o interesse no tratamento de sintomas neuróticos para a compreensão da natureza do inconsciente e da personalidade, além de mudar do método catártico para a associação livre e dar importância à neurose de transferência, levando a um prolongamento cada vez maior do processo de análise. (Oliveira, 1999).
Apesar de Freud ter manifestado algumas vezes uma preocupação com o prolongamento excessivo e ter encorajado, a princípio, algumas iniciativas para abreviá-lo – como em 1918, quando assinala a necessidade de, no futuro próximo, os psicanalistas adotarem medidas para estender o tratamento psicoterapêutico a grandes massas da população, adiantando-se aos fatos que vieram a ocorrer posteriormente, como a necessidade de possibilitar a assistência psicológica a um número maior de pessoas – ele próprio não buscou formas de diminuir a duração da análise. (Braier, 1991; Oliveira, 1999).
A psicoterapia, então, “aparece como uma natural e lógica seqüência de psicanálise” (Knobel, 1986, p.24), a partir das clássicas contribuições de alguns psicanalistas que tentaram introduzir modificações teóricas e técnicas no processo psicanalítico, visando abrevia-lo, especialmente Ferenczi e Rank. O verdadeiro nascimento das psicoterapias analíticas breves data das primeiras experiências de S. Ferenczi com sua “Técnica Ativa” por volta de 1918. Em 1931, Franz Alexander com colaboração de Thomas French, elabora sua teoria da “Experiência Emocional Corretiva”. (Knobel, 1986; Gillierón, 1993; Oliveira, 1999).
Ferenczi introduziu modificações ao desenvolver uma metodologia técnica destinada a acelerar o tratamento psicanalítico: o denominado método ativo. Esta técnica visava, no momento em que o tratamento ficasse estagnado, dar novo impulso ao processo analítico através de diversas imposições ou interdições ao paciente: estimulava-se o paciente a enfrentar seus medos e a renunciar a algumas satisfações neuróticas. Dessa forma, levava os pacientes a enfrentar situações ansiógenas, proibia certos comportamentos propiciadores de gratificações que se constituíam em obstáculos para a seqüência do trabalho. Por vezes, fixava precocemente uma data para o término do tratamento. (Gillierón, 1986; op cit., 1993; Oliveira, 1999).
O objetivo da técnica ativa, segundo Ferenczi, é evitar certos benefícios secundários e desviar para o trabalho analítico a libido fixada nas fantasias inconscientes. Isso seria possível através do acréscimo de tensão provocado pelas imposições feitas ao paciente, que provocaria o aparecimento na consciência de uma pulsão, antes oculta. Observa-se então uma mobilização da libido através de uma imposição ativa do terapeuta. (Gillierón, 1986; op cit., 1993).
Ferenczi é considerado como o instigador das psicoterapias analíticas breves por se interessar “pela problemática atual dos pacientes, sem renegar a história dos mesmos, colocando o acento desse interesse na compulsão à repetição”. (Gillierón, 1993, p. 42). Ferenczi tenta ligar o passado ao presente, observando como o sujeito se comporta no presente em função de seu passado, além dos investimentos objetais em função do mesmo.
Alguns anos mais tarde, Alexander e French retornaram as tentativas de abreviar o processo analítico. Assim como Ferenczi, enfatizaram a importância da experiência emocional mais do que a rememoração para o processo de cura. A técnica desenvolvida por eles foi chamada de “Experiência Emocional Corretiva”, segundo a qual não é a simples recordação de um acontecimento que cura um paciente de sua neurose, mas principalmente o ato de reviver uma experiência corretiva, que acaba por destruir o efeito da experiência anterior. Segundo os autores, essa experiência seria possível através da relação de transferência e de novas experiências de vida. (Gillierón, 1986; op cit., 1993; Oliveira, 1999).
Para Alexander e French, abreviar o processo terapêutico não tinha uma importância econômica, mas sim técnica, visto que era uma forma de frustrar a dependência e levar o paciente a abandonar as posições infantis em benefício de uma relação adulta. O trabalho desses autores é considerado por diversos autores como marco inicial da psicoterapia breve, sendo os primeiros a propor aspectos essenciais de todas as formas atuais de PB, como o estabelecimento de objetivos e de um planejamento do tratamento. (Oliveira, 1999).
O plano de tratamento, segundo Alexander e French, deve ser baseado numa apreciação diagnóstica dinâmica da personalidade do paciente e dos problemas reais que ele tem de resolver em suas condições de vida dadas. Ao estabelecer o plano de tratamento, o analista decide, então, se para cada caso é adequado um tratamento do tipo de apoio ou de descoberta, ou ainda se a função terapêutica é principalmente uma questão de modificação das condições de vida externas do sujeito. (Gillierón, 1993).
Por estímulo de Alexander, um primeiro congresso dedicado à psicoterapia breve foi realizado em Chicago, em 1941, e durante a 2ª Guerra Mundial, multiplicou-se o número de publicações sobre as psicoterapias breves. A partir de então, surgiram diferentes autores que se ocuparam desse assunto. Diante dessa multiplicidade de propostas, será exposto a seguir, um breve resumo sobre as várias abordagens de PB, de acordo com modelos teóricos e técnicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Braier, E.A. (1991). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes.
Castro, E.R. & Guarín, M.R. (1985). Un modelo de Psicoterapia Breve en pacientes hospitalizados con grave enfermedad somática. Rev. Col. de Psiquiatría. 14 (2), 244-257.
Fiorini, H.J. (2004). Teoria e Técnicas de Psicoterapias. São Paulo: Martins Fontes.
Freud, S. (1893-5). Estudos sobre a Histeria. In Freud, S. (1996). Obras Completas, vol. II. Rio de Janeiro: Imago.
Gilliéron, E. (1986). As Psicoterapias Breves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Gilliéron, E. (1993). Introdução às Psicoterapias Breves. São Paulo: Martins Fontes.
Knobel, M. (1986). Psicoterapia Breve. São Paulo: EPU.
Oliveira, I.T. (1999). Psicoterapia Psicodinâmica Breve: dos Precursores aos Modelos Atuais. Psicologia: Teoria e Prática. 1(2), 9-19.
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