Alcoolismo e Relações entre álcool e trabalho

19/06/2010 18:31

  Alcoolismo e Relações entre álcool e trabalho

 

Raquel Ayres de Almeida

Sandro Carellos

 

As conseqüências do uso abusivo do álcool podem ser percebidas em várias esferas da vida do indivíduo. Há uma significativa perda da liberdade, um forte abalo na estrutura familiar, além das grandes conseqüências a nível físico e psíquico. (Seibel, s.d.). O alcoolismo atinge o sistema nervoso, o sistema gastro-intestinal, fígado e pâncreas, e o sistema cardio-circulatório.

 Segundo dados do Ministério da Saúde, o alcoolismo ocupa o quarto lugar no grupo das doenças mais incapacitantes, estando atrás apenas das depressões, anemia ferropriva e quedas. À desse dado preocupante se acrescentam as contas altíssimas decorrentes dos custos com internações e tratamentos para a dependência de álcool e outras drogas. No Brasil, em 1996, a cirrose alcoólica do fígado foi a sétima maior causa de óbitos no Sistema Único de Saúde. (Seibel, s.d.).

O uso abusivo de álcool pode afetar a vida laborativa, visto que a pessoa pode chegar ao trabalho com sintomas de um abuso anterior ou ainda sob o efeito do uso do álcool. Esses funcionários que consomem álcool e outras drogas comprometem seu desempenho no trabalho. Segundo pesquisas, 40% dos acidentes fatais e 47% dos ferimentos nas indústrias podem estar associados ao consumo de álcool e ao alcoolismo. Familiares de pessoas alcoólatras usam 10 vezes mais licenças médicas que os membros de famílias em que o alcoolismo não está presente. Dessa forma, o uso da substância pelos funcionários custa ao empregador tempo de trabalho, produtividade, indenizações aos trabalhadores e redução nos lucros. (Drug Watch, 2007).

No Brasil, há evidências de problemas ocupacionais (aumento do número de licenças médicas, queda no rendimento no trabalho e aposentadoria precoce) relacionados ao uso abusivo de álcool. O consumo difuso do álcool constitui, junto com o tabaco, as práticas de uso de drogas legais mais importantes no país. (Cruz & Ferreira, 2001).

O ato de beber álcool é um dos hábitos mais antigos da humanidade. Sua utilização está empregada nas práticas religiosas, nas festas e confraternizações, no consumo diário ou esporádico, ou ainda como relaxante, dopante, embriagador e como meio de evasão. (Ferreira, s.d.). Diante destes aspectos, pode-se observar o uso do álcool como um sintoma social, e como tal, o surgimento dessa manifestação social tem relação com o sistema capitalista de exploração, diante do qual, a classe proletária, preocupada em conservar-se mão-de-obra, condenou-se à satisfação de suas necessidades por esse meio. (op cit.).

Como o uso de avanços tecnológicos e a reestruturação das empresas, a função exercida pela parcela de pobres perde sua utilidade, visto que esses indivíduos passam a ser desnecessários, perdendo seu suporte social. São simplesmente excluídos. Diante da perda de emprego, perde-se estabilidade, e projetos de vida na sociedade ocidental. O papel da vida profissional desempenha uma forte influência na constituição de identidades, que, por sua vez, influencia na determinação social das escolhas individuais sobre as drogas. (Cruz & Ferreira, 2001).

Com o crescimento do desemprego, do emprego temporário ou informal e o descompromisso do estado com as ações de apoio social, há um aumento significativo na parcela de pobreza, aumentando a vulnerabilidade e os excluídos. O suporte social, compreendido como atenção pelos serviços sociais públicos, sofreu forte degradação, culminando na degradação da sociabilidade popular. Nesse contexto, os jovens são particularmente vulneráveis, visto que a alternância entre desemprego e sub-emprego não lhes permite definir uma trajetória profissional estável. (op cit.).

Diante desses aspectos, os trabalhadores desempregados, não mais consumidores potenciais, são excluídos e responsabilizados pela própria pobreza, além de serem associados à promiscuidade sexual e abuso de drogas. (Bauman, citado por Cruz & Ferreira, 2001). Por outro lado, a frustrante busca pelo consumo ilimitado prometido pelo mercado produz insatisfação e a sensação de ser falho ou incapaz. Para estes, a sensação de constante incompletude realimenta a busca de satisfação no consumo extasiado, seja de bens de consumo, seja de drogas. (op cit.).

Percebe-se então que, além das modificações na economia e nas relações de trabalho, há mudanças profundas nas relações sociais, ocasionando uma desestabilização da relação do indivíduo com o seu grupo social e até com suas próprias escolhas. Paralelo ao aumento da desigualdade na distribuição da riqueza e corrosão dos salários, observa-se um enorme crescimento dos índices de criminalidade. O uso de drogas muitas vezes se faz de forma compulsiva e os usuários podem perder a capacidade de controlar seus gastos, contraindo dívidas com os traficantes, enquanto os indivíduos originários das classes média e alta encontram meios de financiar seu uso. (op cit.).

Alguns autores da sociologia se debruçaram sobre o fenômeno do consumo de drogas explorando as relações entre as forças que agem coletivamente e as escolhas individuais. Nesse sentido, Velho (citado por Cruz & Ferreira, 2001), em 1997 e 1998, descreve sobre a evolução histórica recente do consumo de drogas no Rio de Janeiro, sugerindo que seu uso deva incluir-se entre os processos sociais que exercem função de constituição social da realidade, promovendo a possibilidade da construção de marcas identificatórias e classificatórias que autorizam a distinção social.

Claude Olievenstein (op cit.) situa o consumo de drogas em relação à perda das definições da norma e das margens sociais que, segundo o autor, podem ser percebidas pela perda de clareza das funções sociais, a necessidade de exploração, cada vez mais rápida, das novas fronteiras, o conseqüente aparecimento de novas margens e a extensão do campo dos excluídos, além o abalo das estruturas sociais e dos status da instituição familiar. Toda essa perda de definição e ausência de referências produz a destruição dos processos de identificação que permitem a formação do EU.

A travessia da adolescência também determinará uma série de escolhas, perdas e abandonos, em resposta às exigências não só parentais, mas também advindas do social mais amplo. Os jovens são os que se encontram mais vulneráveis às vicissitudes inerentes a um processo de constituição de uma identidade profissional em vista das modificações ocorridas na modernidade. Dessa forma, o uso abusivo de drogas e a aproximação de grupos de outros jovens excluídos de emprego e de projetos para o futuro será uma entre as possíveis estratégias para lidar com as situações adversas.

Partindo do ponto de vista do problema do uso de drogas como um sintoma de desajuste pessoal e social, e não com a causa, pode-se entender com maior clareza as situações de risco pelas quais crianças e jovens estão expostas por circunstâncias da vida. Dentre as situações de risco encontram-se a violência, um conjunto de experiências relacionadas a privações de ordem afetiva, social, cultural e econômica, que desfavorecem o pleno desenvolvimento biopsicossocial. (Bedoian & Barros, 2006).

As situações de risco acabam se traduzindo em dificuldades na freqüência e no aproveitamento escolar, nas condições de saúde de forma geral e nas relações afetivas, levando o jovem a se expor a um circuito de sociabilidade marcado pela violência, pelo uso de drogas e pelos conflitos com a lei. Assim, as circunstâncias de vida de crianças e jovens em situações de risco favorecem o uso de drogas, relacionado a um circuito de sociabilidade relacionado à condição de exclusão social. (op cit.).

Diante desses aspectos, cabe uma atuação junto aos órgãos públicos, objetivando uma inserção dos jovens, que procuram iniciar sua vida profissional num meio propício e com oportunidades reais, e, estratégias econômicas e ações de apoio social, para que, de posse de um suporte social, diminua a vulnerabilidade e situações de risco diante de um mundo atraente, que é o das drogas, principalmente do álcool.

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BEDOIAN, G., BARROS, R. Uso de drogas e inclusão social. In SILVEIRA, D.X., MOREIRA, F.G. Panorama atual de drogas e dependências. São Paulo: Editora Atheneu, 2006.

 CRUZ, M.S., FERREIRA, S.M.B. Determinantes socioculturais do uso abusivo de álcool e outras drogas: uma visão panorâmica. In Cruz, M. S., Ferreira, S.M.B. (org). Coleções IPUB. Rio de Janeiro: Edições IPUB, 2001.

 DRUG WATCH. Abuso de álcool e outras drogas no local de trabalho: impacto sobre os custos do seguro de indenização de trabalhadores e os lucros da empresa. Acesso em 30.03.07. Disponível em: https://www.drugwatch.org

 FERREIRA, S.M.B. Álcool e trabalho: uma forma possível de ‘laço social’. Apostila fornecida pela autora na aula de pós-graduação de Psiquiatria e Psicopatologia da Faculdade Redentor, em Março de 2007.

 SEIBEL, S.D. Álcool. Capítulo referente a um livro fornecido na aula de pós-graduação de Psiquiatria e Psicopatologia da Faculdade Redentor, em Março de 2007.

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