Aspectos Biopsicossociais do Envelhecimento e o Modelo Cognitivo-Comportamental de Psicoterapia
21/06/2010 19:41Monique Bertrand
Segundo o modelo cognitivo-comportamental, a psicoterapia deverá atuar sobre os pensamentos deflagrados por uma dada situação estimulante, uma vez que tais pensamentos geram os sentimentos e os comportamentos que caracterizam a relação do indivíduo com o ambiente que o cerca.
Em relação a vivência da terceira idade, ocorre que há um conjunto de situacões estimulantes singulares que são as crises biopsicossociais que se manifestam no processo de envelhecimento. O psicoterapeuta que se propõe a trabalhar com idosos deve estar familiarizado com esses acontecimentos que cercam o processo de envelhecer. Como fatores direta ou indiretamente responsáveis pelas dificuldades enfrentadas nessa fase da vida podemos citar:
a) Pressões e preconceitos sociais - existe um conjunto de crenças a respeito da velhice que caracterizam um estereótipo negativo do idoso. Ex: " Velhice é a época da regressão"
" É o período no qual as funções se tornam mais lentas"
" O idoso não tem condições de trabalhar"
" O idoso não tem vida sexual, isso é coisa para jovens."
" O idoso é feio."
" O idoso é um ser dependente de outros, tornando-se um peso para esses."
" O idoso é esclerosado"
Essas crenças precisam ser reavaliadas, discutidas e substituídas por outras mais adequadas às reais condições do paciente e a repercussão desses preconceitos na vida deste deve estar bem clara para o psicólogo.
b) Doenças crônicas: cardiopatias, diabetes, afecções reumáticas, osteoporose, colite e outras. Nesses casos o uso de técnicas de reestruturação cognitiva nos moldes de Lazarus, Beck, Ellis levam o cliente a perceber que na maioria das vezes seus problemas não são tão limitadores ou humilhantes quanto ele acredita.
Entretanto, o idoso pode enfrentar o prolongamento de uma existência meramente vegetativa ou próxima dessas condições. Nesses casos o psicoterapeuta deve ter uma atitude empática com as dificuldades enfrentadas mas deve reforçar positivamente as mínimas potencialidades do cliente e motivá-lo para dirigir suas forças para o que pode fazer.
Técnicas de relaxamento podem ser úteis assim como reatribuições cognitivas, quando o cliente acha que sua doença é uma espécie de punição por atos do passado. A aproximação da família e pessoas queridas é fundamental e o psicoterapeuta deve agir ativamente no sentido de facilitar a resolução de conflitos antigos, estimulando a compreensão e mesmo o perdão entre as partes envolvidas. O psicoterapeuta deve ter uma atitude empática com todos os envolvidos, pois seu paciente muito provavelmente contribuiu ativamente para a existência de sentimentos negativos em relação a ele.
As perdas sensoriais podem ser amenizadas com recursos mecânicos, como óculos e aparelho para surdez. Investimentos na aparência ou na melhoria da qualidade de vida ( cirurgias ortopédicas ou oftálmicas) devem ser estimulados, desde que não hajam contra-indicações e os riscos sejam bem avaliados.
c) A aposentadoria . O paciente deve ser estimulado a procurar outras ocupações que possam lhe trazer alguma realização como: trabalhos voluntários alternativos, novas formas de lazer ou mesmo uma nova atividade profissional. Muitas vezes a auto-estima do indivíduo sofre um baque porque a nossa cultura supervaloriza a produção. É importante explorar novos valores pessoais com o paciente.
d) Saída dos filhos de casa. Mais uma vez o paciente deve ser estimulado a criar uma nova rotina que envolva outros interesses. Além disso é importante verificar junto com ele outros objetivos de vida, além da criação dos filhos.
e) Viuvez, mesmo quando ambos brigavam muito. Ao contrário do que se pensa, não são apenas aqueles "casais modelos" que sofrem com a viuvez. Casais que brigam frequentemente e permanecem juntos anos, ainda que reclamando bastante um do outro, sofrem muito a morte do(a) companheiro(a), pois estão habituados a essa estimulação emocional e o afeto existe, mesmo nessa aparente turbulência do relacionamento.
A perda de amigos e parentes também é vivida intensamente, por levar o idoso a se deparar com a eminência de sua própria morte e ter que se adaptar à vida sem a presença de pessoas com quem ele convivia. Assim, a morte e o luto são temas com que o psicoterapeuta irá se deparar e sua atuação visará facilitar a adaptação do paciente a nova realidade, bem como fornecer suporte para a vivência dessa dor.
f) Perda de autonomia. Com alguma frequência os filhos acham que devem gerenciar a vida de seus pais idosos e vão pouco a pouco retirando sua autonomia financeira e de decisões. É importante desenvolver um treino assertivo para que esses pais possam limitar atitudes abusivas, expressando seus sentimentos e necessidades.
g) Institucionalização. Esse é um tema que merece uma ampla discussão, possivelmente em um próximo artigo. Por hora apenas gostaríamos de observar que tal ocorrência envolve uma grande mudança nos hábitos e pode despertar uma intensa vivência de rejeição, por isso é uma decisão que deve levar em conta muitos cuidados e o acompanhamento psicológico é fundamental.
Muitas vezes o que leva o idoso ao consultório do psicólogo é a depressão, que ao ser investigada revela dificuldades em lidar com as situações levantadas anteriormente.
Beck diz que as pessoas deprimidas apresentam um processamento falho de informações que "preservam a crença na validade de seus conceitos negativistas, a despeito da presença de evidência contraditória". São essas evidências que o terapeuta deverá explorar num diálogo que objetiva reformular crenças distorcidas fortemente enraizadas.
O processamento falho de informações consiste em uma interpretação tendenciosa e pouco realista dos fatos da vida e pode ser verificado através de uma análise dos pensamentos automáticos do paciente. Tais pensamentos correspondem àquelas primeiras idéias que tomam conta da mente do indivíduo mediante algum acontecimento. A investigação dessas idéias e a intervenção do psicoterapeuta no sentido de facilitar o idoso perceber como interpreta tendenciosamente os fatos, abrindo a possibilidade para novas percepções mais realistas sobre esses, leva a uma flexibilização cognitiva e uma consequente melhoria na sua qualidade de vida.
O terapeuta deve criar e fortalecer as expectativas de auto-eficácia (Bandura, 1979), através da persuasão verbal e modelação que levem ao enfrentamento de situações, facilitando a ocorrência de ganhos de desempenho.
CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS:
1) LOCAL DE ATENDIMENTO: domicílio( impossibilidade de locomoção ) consultório ( estrutura adequada)
2) OBJETIVOS: A direção é dada pela queixa do cliente, mas levando-se em conta aspectos individuais levantados em uma boa análise funcional, existem alguns objetivos gerais.
a) Ajudar o cliente a superar as influências dos preconceitos sociais em sua auto-imagem e em suas expectativas de auto-eficácia.
b) Fornecer subsídios para que o cliente possa lidar melhor com seus problemas de saúde.
c) Orientar e facilitar a substituição de comportamentos desadaptativos por outros mais adequados que proporcionem bem-estar em todas as áreas de sua vida: relacionamento familiar, amoroso e com amigos. Vivência da sexualidade e realização de atividades.
3) METODOLOGIA: a) Entrevista Inicial:
- tempo suficiente para estabelecer uma relação promissora com o cliente (ele deve sentir-se acolhido e a vontade); investigar a queixa; aliviar um pouco a ansiedade; levantar esperanças em relação a terapia e estabelecer contrato de trabalho.
- avaliação das condições mentais, fazendo perguntas que revelem o senso de localização espaço-temporal e as condições da memória e do raciocínio lógico. Caso necessário indicar avaliação neuropsicológica. Conforme o resultado, solicitar e verificar a possibilidade de ajuda de familiares, acompanhantes e/ou amigos.
- estar atento a capacidade auditiva e visual do cliente para garantir que ele pode vê-lo e ouvi-lo bem. Contato físico caloroso tem sido considerado positivo, mas não deve ser invasivo.
- quando é um familiar que procura a terapia, é feita uma entrevista prévia, na qual deverá ficar clara a necessidade da motivação do próprio cliente ou, no mínimo, de conseguir sua atitude de aceitação de ajuda.
b) Formulação do caso:
Os encontros iniciais servem para a comprensão das variáveis que levaram ao surgimento da queixa e manutenção da mesma.
- Quais as distorções cognitivas que levam o cliente a sentir-se mal e comportar-se desadaptativamente?
- O que na história do cliente, em sua dinâmica de personalidade e nas variáveis do ambiente favoreceu o surgimento e favorece a manutenção dessas distorções cognitivas e comportamentos?
Quando o terapeuta tiver uma hipótese inicial, deve discuti-la com o cliente, colocando-o a par do modelo cognitivo de compreensão do comportamento humano e sugerindo uma estratégia de ação, que pode envolver tarefas de casa.
c) Processo terapêutico e alta:
A terapia pouco difere do adulto mais jovem. As particularidades estão nos temas relacionados a essa fase da vida e algumas vezes a fragilidade física que pode levar a um maior índice de cancelamento de sessões.
O sucesso da terapia depende do engajamento do cliente e de sua disponibilidade para mudanças. Alguns usam o espaço de terapia para desabafar ou buscar uma aliança com o terapeuta para culpar fatores externos por suas dificuldades. Nesses casos, quando o terapeuta cobra a responsabilidade do próprio pelo rumo de sua vida e suas relações, o cliente costuma interromper o tratamento.
A alta ocorre quando ambos julgam que o motivo da queixa foi superado e os objetivos atingidos. Em quadros de demência ou transtornos de personalidade, o acompanhamento médico e familiar é indispensável.
4- ORIENTAÇÃO FAMILIAR
Questões como excesso de crítica ou de proteção que prejudicam o idoso precisam ser discutidas. A família pode ainda colaborar na aplicação de algumas técnicas, como desenssibilização sistemática, as tarefas de casa como exposição a situações evitadas, estratégias específicas de reforçamento positivo, modelação de comportamentos . Os pacientes com demência senil despertam sentimentos ambivalentes nos familiares que cuidam dele pois geram muito cansaço físico e emocional. A família pode ficar confusa e envolvida em um conjunto de comportamentos agressivos e compensatórios em função do sentimento de culpa que a agressividade desperta. A família precisa ser apoiada, orientada e alguns membros podem receber indicação para uma terapia individual.
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL COM IDOSOS
A TCC oferece várias modalidades de ajuda ao público idoso. O atendimento psicoterápico individual ou em grupo caracterizam uma atuação direta com o cliente, mas há ainda a orientação familiar e de profissionais cuidadores do indivíduo, sempre com o intuito de melhorar sua qualidade de vida. As consultas podem ser realizadas a domicílio, quando o idoso não está em condições de se locomover.
Dentre as queixas mais frequentes desse público temos: depressão devido a perdas específicas ( viuvez, aposentadoria, mudança dos filhos para longe) ou mesmo em função das modificações biopsicossociais inerentes ao próprio processo de envelhecimento ( surgimento de doenças, mudança de papéis sociais e status, transformações da aparência física); descaso ou excesso de proteção familiar ; dificuldade de compreensão inter-gerações; desejo de mudar o estilo de vida. A terapia atua na melhoria da auto-estima do cliente através do questionamento ativo de suas crenças negativas e desenvolvimento de novos recursos comportamentais de enfrentamento das situações problemáticas.
A família enfrenta dificuldades em se adaptar às novas necessidades e limitações dos seus membros mais idosos. Esse problema se agrava quando o idoso apresenta algum tipo de demência senil, ou dependência física muito grande. A orientação familiar tem dois objetivos básicos: analisar e implementar as alternativas mais adequadas para maior satisfação de ambas as partes, e estimular e facilitar a comunicação honesta das expectativas e sentimentos de todos os envolvidos.
Disponível em: https://www.npcc.com.br/zzvelhi.htm
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