Diferenciação Psicopatológica entre Produção Factível de Sintomas e Simulação

19/06/2010 18:23

 

Diferenciação Psicopatológica entre Produção Factível de Sintomas e Simulação

  

 

Ana Betriz Barbosa de Moraes

Raquel Ayres de Almeida

Sandro Carellos

 

O transtorno factível se caracteriza pela invenção ou indução intencional de sintomas ou sinais de outras doenças, unicamente para que a pessoa seja identificada como “enferma” ou “paciente.

A simulação é definida como a “produção intencional de sintomas físicos ou psicológicos falsos ou grandemente exagerados, motivada por incentivos externos”.

Embora os dois diagnósticos envolvam a invenção de sintomas, no transtorno factível o paciente produz os sintomas devido à necessidade intrapsíquica de manter o papel de enfermo e não há incentivos externos como evitar o trabalho, receber indenizações ou escapar de situações desfavoráveis, que justifiquem o quadro.

No DSM-IV-TR a simulação não é considerada um transtorno mental ou doença psiquiátrica sendo classificada na categoria “outras condições que podem ser foco de atenção clínica”.

O diagnóstico do transtorno factível pelo DSM-IV-TR requer três critérios:

1.       Produção ou fingimento intencional de sinais ou sintomas físicos ou psicológicos.

2.       Motivação para o comportamento consiste em assumir o papel de enfermo.

3.       Ausência de incentivos externos para o comportamento.

 

O indivíduo com transtorno factível demonstra o padrão de fingir doenças em numerosos pronto-socorros de vários hospitais e a ser submetido a vários procedimentos diagnósticos. Além disso, outros fatores podem sugerir o diagnóstico factível como discrepâncias entre achados objetivos, como diferenças pronunciadas entre temperaturas orais e retais por serem forjadas ou contrações involuntárias em membros “paralisados”. Às vezes, o curso da doença apresentada é acentuadamente atípico, ou a condição não responde conforme o esperado às terapias habituais. Em geral o paciente descreve uma vida fascinante e extravagante, com ligações com pessoas conhecidas, mas não recebe visitas nem telefonemas. O dilema é especialmente complexo quando o paciente tem combinações de doenças reais e simuladas. Psicoses, transtorno do humor e transtornos dissociativos precisam ser excluídos como etiologias alternativas.

A simulação é um diagnóstico difícil e quando há suspeita de que um sintoma pode estar sendo fabricado ou exagerado, o clínico deve ficar alerta para várias inconsistências que podem aparecer na avaliação do indivíduo, como comportar-se de forma dramaticamente diferente, dependendo de quem acreditam que os está observando. Além da entrevista clínica, outras fontes de informação podem ser úteis ao diagnóstico, como entrevistas com membros da família, amigos e colegas de trabalho. A tabela 1 (HALES & YUDOFSKY, 2006) oferece um modelo para avaliação da psicose simulada e na tabela 2 (op cit.) alguns fatores são delineados para que se avalie se as alucinações e os delírios relatados são falsificados ou exagerados.

Durante a avaliação diagnóstica, para que seja feito a diferenciação entre transtorno factível e a simulação, o profissional terá que conseguir detectar se o paciente possui interesses externos pelo diagnóstico ou se ele não está ciente das motivações que o fazem produzir a doença, já que em outros aspectos os quadros são semelhantes.

    

Tabela 1

Modelo de decisão clínica para a avaliação da simulação

 

A apresentação do avaliado satisfaz os seguintes critérios:

A. Motivo compreensível para simular.

B. Variabilidade acentuada do quadro, observada em pelo menos um dos seguintes:

1.   Discrepâncias acentuadas entre o comportamento na entrevista e fora dela.

2. Grandes inconsistências nos sintomas psicóticos relatados.

3. Contradições flagrantes entre episódios anteriores relatados e história psiquiátrica documentada.

C. Sintomas psiquiátricos improváveis evidenciados por um ou mais dos seguintes:

1. Relato de sintomas psicóticos elaborados com ausência dos temas paranóicos, grandiosos ou religiosos comuns.

2. Emergência súbita de sintomas psicóticos para explicar comportamento anti-social.

3.    Alucinações ou delírios atípicos (ver tabela 2).

D. Confirmação de psicose simulada por:

1. Admissão da simulação após confrontação.

2. Presença de fortes informações corroborativas, como dados psicométricos ou história de simulação.

 

 

Tabela 2

Modelo de limiar para a avaliação de alucinações e delírios

 

Deve-se suspeitar de simulação se qualquer combinação dos seguintes aspectos for observada:

Alucinações

Alucinações contínuas em vez de intermitentes

Alucinações vagas ou inaudíveis

Alucinações não-associadas a delírios

Linguagem pomposa relatada em alucinações

Incapacidade de descrever estratégias para diminuir as vozes

Auto-relato de que todas as alucinações de comando foram obedecidas

Alucinações visuais em preto e branco

Delírios

Início ou fim abrupto

Esforço para chamar a atenção para os delírios

Conduta acentuadamente inconsistente com os delírios

Conteúdo bizarro sem pensamento desordenado

 

 

 

 

 

Bibliografia:

 

HALES, R.E.; YUDOFSKY, S.C. Tratado de Psiquiatria Clínica. Tradução Claudia D., Cristina M. e Ronaldo C. C. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4 ed. rev. Porto Alegre: Artemed, 2002.

 

 

 

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