Modelos de Psicoterapia Breve
19/06/2010 19:17
Modelos de Psicoterapia Breve
Raquel Ayres de Almeida
Na história do desenvolvimento das psicoterapias breves, foram propostos alguns procedimentos e técnicas que diferem entre si de acordo com seus autores, o que resultou na elaboração de diferentes modelos de PB.
Os autores L. Bellak e L. Small propuseram medidas ecléticas além de tomar emprestado alguns termos das teorias do comportamento. Segundo a proposta destes autores, deve ser identificado um problema atual e desenvolver uma hipótese a ser confirmada, modificada ou refutada pela anamnese, que deverá pesquisar dados passíveis de esclarecer a história pessoal do paciente e de permitir um diagnóstico. O estudo da patogenia para determinar a origem dos sintomas influenciará, por sua vez, a escolha das intervenções que visarão fazer desaparecer os sintomas. Essas intervenções podem ser somente verbais ou reforçadas por outras medidas ativas. A partir de então, elabora-se um problema, reforça-se o novo comportamento aprendido e visa-se a extinção dos modos de adaptação neuróticos. (Gillierón, 1986).
K. Lewin fundamenta sua técnica nos conceitos psicanalíticos, mas diverge um pouco no que concerne ao desenvolvimento sexual da mulher e ao masoquismo. Segundo o autor, antes de iniciar o tratamento, deve-se estabelecer um contrato consciente com o paciente acerca dos objetivos do trabalho a ser realizado; deve-se confrontar o paciente de maneira muito ativa com seu comportamento autopunitivo, levando-o a perceber como responsável pelas suas dificuldades; deve-se interpretar, precocemente, a transferência; focalizar a atenção do paciente por ocasião de cada sessão, a fim de manter a continuidade; incitar o paciente a prosseguir em seu trabalho em casa; e por fim, o terapeuta deve oferecer ao paciente, através de seus comentários e comportamentos, um modelo de consciência moral mais normal e menos punitiva. Toda teoria de Lewin se baseia nas noções de culpa e masoquismo. (op cit.).
Malan, partindo do trabalho de Balint que fundou um grupo de trabalho de psicoterapeutas destinados a explorar as possibilidades de tratamento breve de orientação psicanalítica, conduziu estudos aprofundados sobre os resultados e sobre a seleção dos pacientes para esse gênero de terapia, que consistia em fixar de imediato um prazo para o tratamento, disposição face a face, estabelecimento de uma hipótese psicodinâmica de base, explicando a problemática principal do paciente, e por fim, uma técnica de interpretação mais ativa, que consistia em uma atenção seletiva voltada para elementos relacionados com a hipótese psicodinâmica de base e um desprezo seletivo pelos elementos estranhos à dita hipótese.
Malan, através de seu acompanhamento aprofundado e prolongado, mostrou que é possível obter mudanças duradouras por meio de uma psicoterapia de curta duração e que essas mudanças são acompanhadas por modificações estruturais da personalidade. Para que ocorra esse resultado, existem segundo o autor, fatores de bom prognóstico, que são um forte desejo de mudar, a possibilidade de focalizar o tratamento, e a natureza das interpretações. Dessa forma, “a avaliação imediata da problemática inconsciente principal dos pacientes, a estipulação de um prazo e a escolha combinada das interpretações permitem alcançar esse resultado”. (Gilliéron, 1986, p.24).
Sifneos, através de estudos sobre psicoterapias analíticas de curta duração, desenvolveu a Psicoterapia Breve Provocadora de Ansiedade, dirigida a pacientes criteriosamente selecionados. Os pacientes passíveis de serem tratados por esse método, segundo o autor, são os que sofrem de neurose genital, onde a problemática edipiana está em primeiro plano, e que estejam fortemente motivados a mudar. Sifneos centralizou sua argumentação na noção de crise emocional, considerada como ponto focal de processos psicológicos. Segundo o autor, a compreensão de uma crise emocional esclarece diferentes estados de formação de sintomas. (Gilliéron, 1986; Oliveira, 1999).
Sua técnica consiste em sessões face a face, com duração breve do tratamento, aproximadamente 12 a 18 sessões, estabelecimento de um contrato com o paciente acerca do problema a ser tratado, e, a partir da formulação de uma hipótese psicodinâmica, adoção de uma postura bastante ativa por parte do terapeuta, que visa levar o paciente a se defrontar com seus conflitos. (op cit.).
Davanloo pesquisou sistematicamente os efeitos das psicoterapias de curta duração. Através de seus estudos, desenvolveu progressivamente uma técnica de psicoterapias breves denominada “psicoterapias dinâmicas a curto prazo e com foco ampliado”, uma técnica altamente ativa, de confrontação e manutenção de foco, através de interpretações da transferência, das defesas, dos sonhos e das fantasias. Com a confrontação constante, que chega às vezes a ser desafiadora, tende a provocar sentimentos de hostilidade no paciente. O número de sessões não é antecipadamente fixado, mas é explicitado que o trabalho será breve. Geralmente oscila entre 10 a 30 sessões. (op cit.).
Os três autores citados acima, Malan, Sifneos e Davanloo, guardam semelhanças importantes em seus trabalhos, fazendo com que alguns autores os considerem como representantes do mesmo modelo de PB: Modelo Estrutural ou do Impulso. Nesse modelo, de base nitidamente freudiana, as preocupações se concentram especialmente nos aspectos técnicos e a abordagem prioriza os conflitos intra-psíquicos.
Nos últimos anos, tem-se observado uma tendência a integrar técnicas e conceitos de diferentes tradições terapêuticas, com o objetivo de aumentar a eficiência das psicoterapias. Nesse sentido, alguns autores consideram que se deve adaptar a psicoterapia ao paciente. Esse modelo de PB é chamado de Modelo Integrativo e um dos primeiros autores a tentar chegar a esse modelo foi Mann. (op cit.).
Segundo o autor, impulso, ego, objeto e self são complementares e reveladores de diferentes maneiras de funcionamento mental, estando presentes em todos os aspectos significativos do funcionamento de uma pessoa adulta, organizados numa hierarquia diferente para cada indivíduo. O tempo, uma das questões centrais nesta abordagem, é limitado a 12 horas de tratamento, divididas de acordo com a necessidade do paciente. Sua idéia central é que os conflitos e ansiedades relacionados com a separação e perda sejam ativados e trabalhados. A atitude do terapeuta é empática, não confrontativa, utilizando interpretações transferenciais, análise da resistência e reconstrução genética. (op cit.).
Há ainda o Modelo Relacional que enfatiza as relações objetais como clinicamente centrais. Nesse modelo, há menos preocupação técnica do que nos modelos anteriores e menor interesse pelo estudo de aspectos como limites de tempo e critérios de seleção. Em relação ao estabelecimento do foco, estas PB apóiam-se menos num único constructo teórico, como as anteriores que se apóiam no complexo de Édipo, e dão maior importância à experiência, à relação e ao “aqui e agora”, resultando numa diversidade de focos clínicos. Além disso, não propõe abordagens técnicas específicas, mas sim priorizam a relação terapêutica e os padrões de relacionamento interpessoal que o indivíduo estabelece. Nessa abordagem, o terapeuta atua como observador participante. Alguns autores representantes desta forma de trabalho são Luborsky, Horowitz, Strupp e Binder. (Oliveira, 1999).
A técnica de Lousanne foi formulada por Gilliéron que, depois de trabalhar segundo uma orientação muito próxima das idéias de Balint e Malan, voltou sua atenção para o estudo da influência do setting (no caso, limitação temporal e sessões face a face) no funcionamento psíquico. Seu esquema, fortemente ligado à natureza do serviço universitário de formação, se baseia na hipótese de que algumas modificações contextuais simples em relação à psicanálise influenciariam consideravelmente o processo associativo, sem renunciar ao estabelecimento das hipóteses psicodinâmicas, modificando a atitude do terapeuta. (Gilliéron, 1986).
Dessa forma, a técnica consiste em duas entrevistas iniciais que visam firmar a hipótese psicodinâmica. A primeira entrevista, semi-estruturada, é centralizada nas queixas atuais do paciente e na sua história pessoal, examinando o contexto e as circunstâncias do aparecimento dos sintomas, objetivando compreender as características fundamentais das relações objetais estabelecidas pelo paciente no passado e no presente. O autor acredita que a maioria das descompensações é desencadeada por minicrises relacionais. Ao final dessa primeira entrevista, o terapeuta tem uma idéia do tipo de tratamento necessário para o paciente. Constatado que o paciente pode ser beneficiado por uma psicoterapia de curto prazo, é feita uma segunda entrevista, na qual o terapeuta deve formular uma hipótese psicodinâmica simples que resuma, da melhor forma possível, a problemática neurótica do paciente. (op cit.).
Uma terceira entrevista é utilizada para fixar as modalidades do tratamento, propondo ao paciente uma psicoterapia de duração limitada e pede-se que o paciente indique o tempo que ele se atribui para resolver suas necessidades, enquanto o próprio terapeuta formula sua idéia a esse respeito. Geralmente a duração varia de três meses a um ano, sendo a data da última sessão determinada com precisão. A única instrução fornecida pelo terapeuta é a regra das associações livres e as intervenções devem ter por objetivo favorecer as associações e permitir tomadas de consciência reais. (op cit.).
Existem ainda autores sul-americanos que adotaram posturas mais flexíveis, como critérios de indicação mais amplos, objetivos mais adaptados às possibilidades de cada paciente, se valendo de uma variedade de recursos técnicos para buscar esses objetivos. Os principais autores sul-americanos são Knobel, Braier, Simon e Fiorini. A posição que esses autores adotaram parece revelar a importância do contexto social e da urgência das demandas numa região onde a carência de recursos e de investimentos na área da saúde criou uma situação bem diferente dos outros países. (Knobel, 1986; Braier, 1991; Oliveira, 1999; Fiorini, 2004).
No trabalho de Knobel, por exemplo, são sempre acentuadas as questões sociais e econômicas, e uma constante preocupação com a viabilidade da indicação terapêutica, que deve ser escolhida de forma realista. “A partir de um diagnóstico holístico, que segundo ele é uma gestalt bio-psico-social do paciente num determinado momento de sua vida, propõe uma psicoterapia não regressiva, com tempo e objetivos limitados, que vise insights predominantemente cognitivos.” (Oliveira, 1999, p. 15). O autor critica critérios de indicação muito rigorosos, propondo uma “adaptação mútua”. (Knobel, 1986).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Braier, E.A. (1991). Psicoterapia breve de orientação psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes.
Castro, E.R. & Guarín, M.R. (1985). Un modelo de Psicoterapia Breve en pacientes hospitalizados con grave enfermedad somática. Rev. Col. de Psiquiatría. 14 (2), 244-257.
Fiorini, H.J. (2004). Teoria e Técnicas de Psicoterapias. São Paulo: Martins Fontes.
Freud, S. (1893-5). Estudos sobre a Histeria. In Freud, S. (1996). Obras Completas, vol. II. Rio de Janeiro: Imago.
Gilliéron, E. (1986). As Psicoterapias Breves. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
Gilliéron, E. (1993). Introdução às Psicoterapias Breves. São Paulo: Martins Fontes.
Knobel, M. (1986). Psicoterapia Breve. São Paulo: EPU.
Oliveira, I.T. (1999). Psicoterapia Psicodinâmica Breve: dos Precursores aos Modelos Atuais. Psicologia: Teoria e Prática. 1(2), 9-19.
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