O Papel da Ressignificação no Câncer de Mama

19/06/2010 17:28

 

O PAPEL DA RESSIGNIFICAÇÃO NO CÂNCER DE MAMA

 

Ressignificação

A palavra ressignificação sugere mudança de significado. Ressignificar seria poder atribuir um novo significado a acontecimentos através da mudança da visão de mundo da pessoa. Através da ressignificação, podemos aprender a pensar de outro modo sobre as coisas, ver novos pontos de vista ou levar outros fatores em consideração.

Ser capaz de ressignificar é aprender a observar que as circunstâncias na vida podem ser compreendidas e apropriadas na biografia interna de cada pessoa. Não estamos com isso, simplificando situações complexas, mas sim compreendendo que a complexidade que caracteriza determinadas experiências que acometem o sujeito, podem ser percebidas e trabalhadas de forma real, e apesar das dificuldades que as constituem, podem ser acomodadas enquanto fragmentos da história da pessoa. Ou seja, ressignificar é ação de assimilar fatos incômodos com equilíbrio emocional, e conseqüentemente, com serenidade, apesar dos desequilíbrios vividos.

Podemos pensar o processo de Ressignificação na fase do luto antecipatório, vivenciado por pacientes com doenças sem chances de tratamentos, onde a morte é iminente, como um momento em que o paciente atribui novos significados a sua vida, um momento de resolver questões pendentes e mal resolvidas. Porém, como esse tema já foi abordado em várias palestras aqui no congresso, principalmente sobre luto, irei priorizar o processo de ressignificação no enfrentamento da doença, já que um enfrentamento adequado possibilita uma adesão ao tratamento que  possibilitará uma cura, ou pelo menos uma qualidade de vida para esse paciente.

O significado que atribuímos a todo acontecimento depende do filtro pelo qual o vemos. Nosso sistema de crenças direciona a percepção num sentido positivo ou num sentido negativo. Dentro dessa perspectiva, para discorrer sobre o processo de ressignificação no câncer de mama, iremos abordar os sentimentos e as repercussões psicológicas além dos pensamentos e crenças nas mulheres com esta neoplasia.

 

Aspectos Emocionais do Câncer de Mama

O câncer ainda equivale a uma doença fatal, vergonhosa, misteriosa, sinônimo de morte, comumente associado à dor, sofrimento e degradação, aquilo que cresce e corrói, consome o indivíduo. O diagnóstico desta patologia desencadeia reações devastadoras tanto no âmbito orgânico como no emocional, provocando sentimentos, desequilíbrios e conflitos internos, além de causar um sofrimento tão intenso capaz de resultar em desorganização psíquica, conseqüências estas que vão depender da localização, do estágio da doença e do tratamento.

Apesar do avanço tecnológico da medicina, o seu diagnóstico ainda é encarado, muitas vezes, como sentença de morte. Desse modo, embora seja comprovado que 50% dos casos são passíveis de cura ou controle, esta imagem persiste, principalmente pelo rótulo “terminal”. Estes aspectos da doença podem provocar uma série de expectativas e reações no paciente, bem como em seus familiares. Após o choque inicial do diagnóstico, os pacientes costumam apresentar respostas emocionais como ansiedade, raiva e depressão.

Esta doença, vista pelo indivíduo, como uma ameaça do destino, desencadeia uma série de sentimentos como impotência, desesperança, temor e apreensão, levando o diagnóstico a ser, freqüentemente, acompanhado de depressão. Por ser a doença rotulada como dolorosa e mortal, desencadeia ainda preocupações em relação à morte, causando angústia e ansiedade. Além do momento do diagnóstico, ao longo do tratamento, o paciente vivencia perdas e diversos sintomas que, além de acarretar prejuízos ao organismo, coloca-o diante da incerteza em relação ao futuro, aumentando assim sua ansiedade.

O câncer de mama feminino é uma patologia que, para a mulher se traduz em muito sofrimento psicofísico e uma cirurgia mutiladora de um órgão que simboliza feminilidade, sexualidade e maternidade. Uma doença na mama compromete a construção social da identidade feminina nas representações simbólicas desta parte do corpo das mulheres. A mulher então, passa a ter o medo direcionado em dois focos: o medo do câncer propriamente dito e o medo da mutilação de um órgão que representa maternidade, estética, feminilidade e sexualidade.

Os sintomas emocionais apresentados pelos pacientes portadores de câncer são inúmeros. Dentre eles, pode-se citar: desconforto emocional, com o aparecimento de sentimentos de solidão, constrangimento, rejeição e estigma, tristeza, angústia, insegurança, vulnerabilidade, desesperança, baixa auto-estima, ansiedade e medo, o que pode levar a pensamentos de ruína, humor deprimido e/ou irritadiço, regressão e dependência emocional, raiva, culpa, descrença (inclusive religiosa), desejo de morte acompanhado ou não de ideação suicida, prejuízo da vida familiar, afetiva, sexual e/ou reprodutiva. O sentimento de impotência diante da doença pode-se traduzir pelo seu inverso, ou seja, por um sentimento de onipotência voltado para si mesmo, acreditando que tem poderes para curar-se, ou ainda, acreditando que será curado por Deus ou outras práticas religiosas.

O aparecimento dos sintomas, seu tempo de duração e sua resolução, vão depender das características biopsicossociais da pessoa, ou seja, de idade, sexo, tipo e tempo da doença, do tratamento e suas seqüelas, alívio ou não de sintomas, prognóstico e expectativas de cura ou de morte, tipo de personalidade, história pessoal e familiar, suporte afetivo, familiar e social, nível cognitivo, educacional e cultural, crenças pessoais e religiosas.

Alguns autores citam ainda que as reações das pacientes frente ao diagnóstico ou tratamento dependem de características individuais, ou seja, da personalidade, que irão influenciar a forma de avaliar a importância da doença e a forma de enfrentá-la. Pessoas autoritárias e agressivas teriam maiores dificuldades em aceitar a doença e seus tratamentos, do que pessoas mais passivas. Os pacientes autoritários e agressivos são pacientes que tentam controlar tudo e todos, através de excessos de questionamentos, barganhas quanto ao tipo de tratamento e mudanças freqüentes nos horários das consultas. Já os pacientes passivos, demonstram aceitar mais facilmente as orientações médicas, porém, esse comportamento submisso pode esconder sentimentos de raiva, medo, ansiedade, tristeza e depressão.

 

Pensamentos e Crenças no Câncer de Mama

Pacientes com doenças crônicas como o câncer de mama constumam ter como preocupações constantes a perda do controle sobre a vida, mudanças na auto-imagem, medo da dependência, estigmas, medo do abandono, raiva, isolamento e morte, além do medo da progressão da doença e da recidiva.

As reações emocionais do paciente apresentam relação com as cognições ativadas ao receber o diagnóstico. Assim, considera-se pertinente o modelo cognitivo desenvolvido por Aaron Beck, em que se propõe haver uma inter-relação recíproca entre pensamento, emoção e comportamento, pois a interpretação de um evento pode ativar cognições e tais cognições podem influenciar emoções e comportamento.

A atividade cognitiva, ativada com o diagnóstico de uma doença crônica como o câncer, pode influenciar o comportamento e as emoções do paciente, alterando a forma como ele se sente, e podendo resultar em transtornos psicológicos decorrentes de um modo distorcido de se perceber os acontecimentos, denominado distorções cognitivas.

As distorções cognitivas normalmente podem se apresentar, numa mesma situação, concomitantemente, de diversas maneiras: por catastrofização (pensar sempre que o pior vai acontecer), por abstração seletiva (focar a atenção em um aspecto negativo da situação), por adivinhação (antecipar problemas, ter expectativas negativas em relação a fatos, que talvez nem venham a existir), por personalização (assumir a culpa por acontecimentos negativos), entre outras.

Alguns exemplos de pensamentos distorcidos: “não serei capaz de suportar esse sofrimento”, “nunca mais poderei comer o que gosto novamente”, “isso afetará minha vida sexual”, “nenhum homem deseja uma mulher com apenas um seio”, “eu vou morrer, não vou sobreviver”, “a morte com câncer é agonizante”.

Esse tipo de pensamento, ativado com o diagnóstico, deve-se principalmente à representação, à crença que o indivíduo tem acerca do câncer, que, conforme a literatura corresponde a uma representação sempre muito negativa vista como uma doença devastadora, que resulta sempre em morte sofrida.

 

O Papel da Ressignificação no Câncer de Mama

Partindo do pressuposto de que as crenças do paciente acerca da doença podem influenciar as cognições ativadas bem como as emoções decorrentes do diagnóstico, considera-se que as cognições possuem um papel importante tanto na melhora do estado emocional quanto na qualidade de vida. Um trabalho baseado na ressignificação das cognições poderia ajudar o paciente a adaptar o tratamento a sua vida bem como adaptar a visão de si próprio a esta nova situação, além de facilitar a aderência ao tratamento, prevenir comportamentos de risco a saúde, dentre outros.

 

Abordagens

Diversas formas de ressignificação e mudança de percepção são usadas em diferentes técnicas. Algumas podem ser aplicadas pela própria pessoa, ou em sessões terapêuticas individuais ou de grupo.

PNL

Na linguagem da Programação Neurolinguística (PNL) ressignificação é a habilidade que temos de atribuir um significado positivo, satisfatório para um acontecimento que muito nos incomoda ou prejudica, de tal forma, que após ressignificado, passamos a encará-lo com muita tranqüilidade.

A PNL estuda a estrutura da experiência subjetiva. Por estrutura querem dizer imagens, sons ou diálogo interno e sensações com que a pessoa cria suas experiências internas e influencia seu comportamento externo.

A PNL oferece ferramentas para influenciar processos específicos pelos quais as pessoas criam sua experiência subjetiva. O desafio da PNL é capacitar as pessoas a assumir o controle da sua própria evolução cognitiva, ajudá-las a compreender que o que elas pensam que é a realidade é apenas o seu modelo da realidade.

A programação neurolingüística utiliza várias técnicas para fazer com que as pessoas percebam o mundo de uma maneira mais agradável, proveitosa e eficiente.

 

Gestalt

“Gestalt” é uma palavra alemã que significa “configuração”, a maneira peculiar como cada sujeito estrutura a percepção de si mesmo e do mundo. Para a gestalt, as percepções são entendidas como unidades organizadas conforme determinados padrões. O comportamento, nesta perspectiva, é filtrado por essas unidades organizadas (estruturas perceptivas), através das quais os indivíduos captam determinados significados do real. Os indivíduos organizam o real de forma diferenciada. As diferenciações decorrem das experiências no ambiente natural e social e das características específicas de cada um.

A forma gestáltica de trabalhar fundamenta-se na crença de que o homem é um ser em relação, presente no mundo, repleto de possibilidades e apto a conhecer-se, a realizar suas escolhas e a dirigir sua vida. Para a Gestaltterapia, o cliente deve descobrir o sentido de sua vida (sentimentos, pensamentos e ações) no contexto atual, e ampliar sua consciência acerca de si mesmo, de sua forma de existir, e de suas relações.

O processo psicoterapêutico possibilita a ressignificação de suas experiências. Ressignificação é a modificação da forma que a pessoa percebe os acontecimentos, resultando em alteração do significado. Em decorrência da mudança do significado, comportamentos e respostas da pessoa se modificam. Segundo a teoria da gestalt, a ressignificação traz liberdade à pessoa, de modo que ela passa a viver de maneira mais saudável, relacionando-se melhor com o mundo.

 

Terapia Cognitiva

O pressuposto cognitivista é a idéia de que o homem não reage a estímulos, mas sim a significados. O raciocínio teórico subjacente da terapia cognitiva parte do princípio de que o afeto e o comportamento de um indivíduo são amplamente determinados pelo modo como ele estrutura o mundo (cognições/pensamentos).

O pensamento influencia o modo como o indivíduo percebe o mundo e lida com os acontecimentos. Os pensamentos geralmente são automáticos, ocorrem de forma involuntária. Os pensamentos automáticos podem ser adaptativos, quando não são exagerados e são coerentes com a realidade, ou seja, não são distorcidos. Por outro lado, são classificados como disfuncionais quando são desadaptativos, exagerados, deturpados, incoerentes com a realidade externa. Esses pensamentos disfuncionais desencadeiam respostas emocionais desagradáveis e inadequadas.

 Dessa forma, as emoções são decorrentes de padrões de pensamentos que são pautados em crenças, e estas por sua vez direcionam a maneira pela qual as pessoas interpretam os fatos e conseqüentemente determinam o comportamento.

Nessa abordagem, o terapeuta trabalha dentro de um programa de psicoeducação. A intenção é auxiliar o paciente na identificação dos pensamentos e crenças disfuncionais e propor técnicas de reestruturação cognitiva, objetivando a mudança dos pensamentos automáticos. Uma das técnicas iniciais da terapia cognitiva consiste em identificar, testar a realidade e corrigir as conceituações distorcidas e crenças disfuncionais, substituindo-as por outras crenças e idéias que possibilitem ao indivíduo experimentar novos comportamentos e emoções menos prejudiciais a ele mesmo e, como conseqüência, aos outros. Aumentando o leque de perspectivas em relação à vida, amplia-se também a capacidade de enfrentamento da doença.

 Os estudos referentes à teoria de enfrentamento fornecem subsídios para buscar respostas mais positivas às situações de estresse, em especial aquelas presentes no contexto hospitalar. As estratégias de enfrentamento objetivam elaborar respostas adaptativas e nortear o manejo das experiências/estados emocionais e comportamentos suscitados pelo estresse.

 

Estratégias de Enfrentamento (Coping)

Coping é concebido como o conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas, ou seja, um conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas específicas, internas ou externas, que surgem em situações de stress. Esta definição implica que as estratégias de coping são ações deliberadas que podem ser aprendidas, usadas e descartadas.

Os estilos de coping têm sido mais relacionados a características de personalidade ou a resultados de coping, enquanto as estratégias se referem a ações cognitivas ou de comportamento tomadas no curso de um episódio particular de stress. As estratégias de coping refletem ações, comportamentos ou pensamentos usados para lidar com um estressor.

Estas estratégias podem ser classificadas em dois tipos, dependendo de sua função:

o   O coping focalizado na emoção é definido como um esforço para regular o estado emocional que é associado ao stress, ou é o resultado de eventos estressantes. Estes esforços de coping são dirigidos a um nível somático e/ou a um nível de sentimentos, tendo por objetivo alterar o estado emocional do indivíduo.

o   O coping focalizado no problema constitui-se em um esforço para atuar na situação que deu origem ao stress, tentando mudá-la. A função desta estratégia é alterar o problema existente na relação entre a pessoa e o ambiente que está causando a tensão.

Estratégias de coping podem ser usadas para eliminar ou modificar uma situação problema, para dar um novo significado ao problema ou controlar as conseqüências emocionais dos estressores.

Nos estágios iniciais de doenças crônicas, estratégias de coping focalizado no problema, como fazer mudanças na dieta, exercícios físicos, estilo de vida e relaxamento, podem influenciar diretamente no estado da doença e melhora do ajustamento por modificar a situação problema. Em estágios finais de uma doença, quando uma pessoa tem menos chances de influenciar a doença, são necessários ajustamentos cognitivos e emocionais. Neste caso, estratégias cognitivas de coping tais como aceitação e ressignificação podem ser mais importantes para o ajustamento do que estratégias de coping focalizado no problema.

É importante trabalhar os sentimentos relativos ao câncer, pois os sentimentos podem afetar como a pessoa se vê, como ela vê a vida, e as decisões a serem tomadas relacionadas ao tratamento.

 

Ressignificação no Câncer de Mama

Algumas pessoas entram numa espiral de desespero, falta de esperança e grande tristeza porque acreditam que a vida não lhes corre bem e nada podem fazer em relação a isso. Por mais difícil que possa parecer, há sempre outra maneira de olhar para a situação. Como já vimos, os nossos pensamentos influenciam as nossas emoções, pelo que, se os substituirmos por outros mais racionais, iremos sentir-nos melhor.

Para que o paciente possa conseguir descobrir outra perspectiva a partir da qual possa avaliar a situação, temos de seguir alguns passos:

 

1ª Etapa: Ajudar o paciente a identificar os pensamentos.

 

2ª Etapa: Ajudar o paciente a analisar os erros cognitivos, visando à reestruturação de cognições errôneas.

 

Dizemos erros cognitivos quando os pensamentos não se adéquam à realidade. Estes erros levam, muitas vezes, a uma distorção dos fatos que impedem o sujeito de lidar com as situações da forma mais adequada, levando-o a crer que os acontecimentos são muito mais negativos do que realmente são.

Em seguida, temos alguns exemplos de distorções cognitivas:

 

Catastrofização: prever o pior desfecho possível. “Vou perder totalmente o controle”, “Essa doença não tem cura”.

Generalização: tomar um evento como algo padronizado que ocorrerá continuamente. “Se eu não reagir bem a esse tratamento, não vou reagir a nenhum outro”.  

Maximização do Negativo: dar aos aspectos negativos mais importância do que realmente merecem, minimizando os aspectos positivos. “Tenho um organismo muito fraco”, “Meu sistema imunológico não funciona”.

Minimização do Positivo: desvalorizar os aspectos positivos. “Foi apenas sorte”, “O médico só disse isso para me fazer sentir melhor”.

Leitura de pensamento: acreditar que é capaz de saber o que os outros estão pensando. “Eles pensam que eu estou com uma doença transmissível, por isso não querem me visitar”.

Pensamento dicotômico: alternar entre extremos (tudo ou nada). “Nunca mais vou ter um parceiro”.

Personalização: A pessoa se vê como a única responsável pelo que acontece. “Isto é tudo por minha culpa”.

 

3ª Etapa: Procurar explicações alternativas: avaliar a veracidade dos pensamentos e considerar alternativas. Ajudar o paciente a compreender o problema de forma realista. O paciente precisa aprender a avaliar de forma realista os aspectos e as conseqüências negativas do problema e desenvolver um plano de ação que resolva.

 

Raquel Ayres de Almeida

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