Transtorno Bipolar

19/06/2010 18:18

  O Transtorno Bipolar

 

Raquel Ayres de Almeida

 

1. Introdução

 

O transtorno bipolar é caracterizado por alterações de humor que se manifestam como episódios depressivos alternando-se com episódios de euforia – também denominado mania – em diversos graus de intensidade. É uma condição médica freqüente: o tipo I, que se caracteriza pela presença de episódios de depressão e de mania, ocorre em cerca de 1% da população geral. O tipo II, considerado um quadro mais brando e caracterizado pela alternância de depressão e episódios mais leves de euforia, a hipomania, a prevalência pode chegar a até 8% da população. Assim, segundo dados da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, estima-se que cerca de 1,8 a 15 milhões de brasileiros sejam portadores do transtorno bipolar, nas suas diferentes formas de apresentação.

O transtorno bipolar acarreta várias modificações na vida dos portadores e familiares, como incapacitação e grave sofrimento. Dados da Organização Mundial de Saúde evidenciam que o transtorno bipolar foi a sexta maior causa de incapacitação no mundo na década de 90. estimativas indicam que um portador que desenvolve os sintomas da doença aos 20 anos de idade, por exemplo, pode perder 9 anos de vida e 14 anos de produtividade profissional, se não tratado adequadamente.

A mortalidade dos portadores do transtorno é elevada, e o suicídio é a causa mais freqüente de morte, principalmente entre os jovens. Também doenças clínicas como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares são mais freqüentes entre portadores de transtorno bipolar do que na população geral. A associação com a dependência de álcool e drogas é muito comum e agrava o curso e o prognóstico do transtorno, além de piorar a adesão ao tratamento e aumentar em duas vezes o risco de suicídio.

O início dos sintomas na infância e na adolescência é cada vez mais descrito, mas seu diagnóstico é muito difícil em função de peculiaridades na apresentação clínica. É comum crianças com transtorno bipolar receberem outros diagnósticos, retardando a instalação de um tratamento adequado, que reduz a mortalidade e incapacitação. O tratamento em geral inclui a prescrição de um ou mais estabilizadores do humor em associação. A associação de antidepressivos e de antipsicóticos pode ser necessária para o controle de episódios de depressão e mania.

Diante desses aspectos descritos, percebe-se que o transtorno bipolar merece devida atenção e conhecimento por parte dos profissionais de saúde, pela importância tanto de um diagnóstico correto quanto de um devido conhecimento acerca do tratamento adequado. Para isto, esse trabalho monográfico teve por objetivo dissertar sobre o referente transtorno e a variedade de tratamentos.      

           

2. O Transtorno Afetivo Bipolar

 

O transtorno bipolar é um transtorno do humor por ter como característica principal uma perturbação do humor.

O transtorno afetivo bipolar (TAB) corresponde a um dos mais prevalentes e potencialmente graves transtornos psiquiátricos. Caracterizado por oscilações importantes do humor entre os pólos da exaltação (ou euforia) e depressão, apresenta curso recorrente e crônico, implicando em elevado grau de morbidade e incapacidade para seus portadores. (Alda, 1999; Jorge e Sanches, 2004).

Segundo o DSM-IV (2002), os transtornos bipolares envolvem a presença ou histórico de episódios maníacos, episódios mistos ou episódios hipomaníacos, geralmente acompanhados pela presença ou histórico de episódios depressivos maiores.

Os transtornos bipolares são classificados de acordo com o curso clínico. Dessa forma, se divide em:

§ Transtorno Bipolar I, cujo curso clínico é caracterizado pela ocorrência de um ou mais episódios maníacos ou mistos, geralmente acompanhados por episódios depressivos maiores.

§ Transtorno Bipolar II, caracterizado por um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhados por pelo menos um episódio hipomaníaco.

§ Transtorno Ciclotímico, caracterizado por pelo menos 2 anos com numerosos períodos de sintomas hipomaníacos que não satisfazem os critérios para um episódio maníaco e numerosos períodos de sintomas depressivos que não satisfazem os critérios para um episódio depressivo maior.

§  Transtorno Bipolar sem Outra Especificação é incluído para a codificação de transtornos com aspectos bipolares que não satisfazem os critérios para qualquer dos transtornos bipolares específicos.

Os sintomas do transtorno bipolar podem aparecer em qualquer idade, é uma condição geralmente associada ao final da adolescência e ao início da vida adulta, visto que o início dos sintomas situa-se, geralmente, entre os 18 e os 22 anos, ainda que uma proporção substancial de pacientes desenvolva o quadro mais adiante na vida. (Almeida, 2004; Alda, 1999).

A etiologia da doença ainda não é conhecida, mas muitos estudos apontam para a existência de disfunções complexas, incluindo alterações nos receptores e nos pós-receptores de neurotransmissores.

 Estudos realizados no final dos anos 50 determinaram a prevalência do transtorno bipolar e de outras doenças psiquiátricas entre parentes de probandos com o transtorno e, em alguns casos, entre parentes de indivíduoscontrole saudáveis. Quando analisados conjuntamente, esses estudos encontraram um risco 8 a 15 vezes maior em relação à prevalência na população em geral. Os estudos de família, isoladamente, não provam a natureza genética da doença. Já os estudos de adoção e de gêmeos têm maior poder de distinção entre os componentes genéticos e ambientais, fornecendo evidências de uma natureza genética para a doença.

Além de sugerirem a presença de um componente genético para o transtorno bipolar, os estudos de famílias também indicam a possibilidade de outras condições psiquiátricas fazerem parte de um mesmo espectro fenotípico. Em outras palavras, essas condições podem ser manifestações diversas de uma mesma predisposição genética. A depressão unipolar é encontrada mais freqüentemente entre parentes de probandos com transtorno bipolar do que em parentes de controles psiquiatricamente saudáveis. Outra condição que possivelmente faz parte do espectro bipolar é o transtorno esquizoafetivo, do tipo maníaco. Já em relação a outras entidades, como ciclotimia, transtornos de personalidade, de alimentação ou alcoolismo, os dados são mais ambíguos. (Alda, 1999).

Estudos recentes mostraram que, ao lado dos transtornos por uso de substâncias psicoativas, transtornos ansiosos têm prevalência elevada em transtornos bipolares, com razão de chances para transtorno bipolar maior do que para depressão unipolar. Em pesquisas clínicas, 24,0% a 79,2% dos bipolares apresentam pelo menos um transtorno de ansiedade ao longo da vida, tendo 47% desses diagnóstico de dois ou mais transtornos. Em pacientes psicóticos, incluindo bipolares, deprimidos e esquizoafetivos, a freqüência de comorbidade com transtorno de ansiedade encontrada foi de 33,8% para um único transtorno e de 14,3% para dois ou mais. (Issler, Sant’Anna, Kapczinski e Lafer, 2004).

Apesar de resultados conflitantes nas taxas de prevalência e na ordem de freqüência, os transtornos de ansiedade mais comuns em transtorno bipolar são transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de pânico e fobia social.

Freeman et al (op. cit) verificaram a alta co-ocorrência de transtorno de ansiedade e transtorno bipolar, e sugerem três hipóteses para explicar a associação observada: podem ser duas entidades distintas que se sobrepõe ao acaso considerando a alta prevalência dessas duas doenças; as doenças podem co-ocorrer porque, apesar de distintas, sua fisiopatologia se sobrepõe em parte; e finalmente, a associação pode dever-se ao fato de terem a mesma fisiopatologia fundamental da desregulação do afeto, sendo diferentes manifestações da mesma anormalidade subjacente. Porém, mais estudos serão necessários para elucidar esses mecanismos envolvidos.

Entretanto, diversos estudos têm relatado a evidente presença de sintomas ansiosos no transtorno bipolar mesmo que não preencham critérios para um transtorno específico. Os pacientes bipolares que têm comorbidades com transtornos ansiosos parecem apresentar características clínicas de maior gravidade em decorrência de um pior prognóstico, maior índice de tentativas de suicídio e resposta diferente aos estabilizadores do humor. (op. cit.; Schwartzmann e Lafer, 2004).

 

3. Transtorno Bipolar na Infância e Adolescência

 

A ocorrência do transtorno bipolar em crianças e adolescentes já foi constatada, apesar da dificuldade de se reconhecer os sintomas depressivos ou de (hipo)mania em crianças, principalmente porque estas têm dificuldade em reconhecer e nomear seus próprios sentimentos. Outro fator que influencia na baixa prevalência é o fato de que algumas características atípicas em adultos parecem ser regra e não exceção em crianças. E apesar de estudos epidemiológicos apontarem que o TAB afeta homem e mulher igualmente na fase adulta, parece ser mais comum em meninos do que em meninas. (Fu-I, 2004).

Segundo estudos recentes, há na prática clínica, dois tipos de crianças com possibilidade de transtorno bipolar: o primeiro grupo seria de crianças que apresentam todos os sintomas e características exigidos pelo DSM-IV para diagnóstico de transtorno bipolar tipo-I ou tipo-II, e o segundo grupo seria de crianças que apresentam apenas alguns sintomas do transtorno, porém não os principais, e sofrem cronicamente de instabilidade de humor, com funcionamento global severamente comprometido. (op. cit).

Para definição de diagnóstico, aconselha-se que as crianças tenham seus quadros clínicos bem descritos, com avaliação cuidadosa e sistematizada de todos os sintomas, verificando a freqüência de ocorrência e o grau de comprometimento de cada sintoma.

É freqüente o transtorno bipolar de início precoce ter como a primeira manifestação do transtorno um episódio de depressão. As crianças com transtorno bipolar podem ser vistas, ainda, como irritadas mesmo nos momentos de eutimia e a maioria merecer diagnóstico de transtorno oposicional-desafiante.

As características do episódio depressivo em crianças com transtorno bipolar são: início muito precoce (menor do que 13 anos); presença de retardo psicomotor alternando com agitação; presença de sintomas psicóticos; reações de (hipo)mania após uso de antidepressivo, hipersonia e hiperfagia. Estas características também são considerados sinais preditivos e de risco para posterior aparecimento de episódio de (hipo)mania em crianças deprimidas. Assim como em adultos, a ocorrência de tentativas de suicídio também é maior em transtorno bipolar. (op. cit).

Crianças em crise de (hipo)mania podem apresentar, além do humor exaltado e euforia, também, ou somente, aumento de irritabilidade e humor instável. Podem se auto-agredir e ser agressivas com outros. As crianças ficam hiperativas, falam muito mais e mais rápido do que o costume e apresentam aumento de distratibilidade. A atitude é de inquietação e de excitação constante e com diminuição de crítica. Queixam-se de pensamentos abundantes na cabeça, mostram diminuição de objetividade ou têm fugas de idéias. Podem apresentar pensamentos fantasiosos e de grandeza como o de possuir poderes mágicos ou ter certeza de que será bilionário. Os comportamentos bizarros e extravagantes, assim como a hipersexualização são muito mais evidentes na adolescência. (op. cit).

Outra característica importante é que crianças e adolescentes freqüentemente apresentam mudanças de estado de humor mais rápidas do que os adultos e podem até alternar estado de depressão e de (hipo)mania várias vezes em um mesmo dia.

São relatados altos índices de comorbidade de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) com o transtorno bipolar na infância e adolescência, além do transtorno de conduta, transtornos de ansiedade, síndrome de pânico ou fobia social ou agorafobia, e, por fim, dependência ou abuso de substâncias psicoativas. O TDAH e o transtorno de conduta ainda fazem diagnóstico diferencial com o transtorno bipolar, devido às dificuldades de distinguir as manifestações clínicas de (hipo)mania de início precoce com os respectivos transtornos. Geralmente, ou as crianças com transtorno bipolar são erroneamente diagnosticadas como portadoras de TDAH e transtorno de conduta, ou, casos graves de TDAH e transtornos de conduta são diagnosticados como transtorno bipolar na infância e adolescência.

Esses erros de diagnósticos ocorrem devido aos sintomas presentes em transtornos comportamentais com disfunção social (como hiperatividade, agressividade e infração de regras sociais) também podem estar presente em crianças e adolescentes com transtorno bipolar. Para evitar confusão e dificuldade de distinguir transtorno bipolar e TDAH, Geller et al valorizaram apenas sintomas principais de (hipo)mania como euforia, expansão do humor ou grandiosidade para diagnóstico de transtorno de humor. Os sintomas de irritabilidade e hiperatividade foram classificados como muito inespecíficos para diferenciar os dois diagnósticos. Crianças com transtorno bipolar apresentam maior comprometimento de humor e suas atividades tendem a ser mais direcionadas do que crianças somente com TDAH. (op. cit).

O tratamento de depressão bipolar em crianças e adolescentes segue as mesmas regras estabelecidas para adultos. Utilizam-se os mesmos medicamentos prescritos para o adulto, porém, a maioria dos medicamentos não passou por estudos controlados em crianças e adolescentes e alguns são até contra-indicados no momento.

 

4. Tratamento não Farmacológico

 

O transtorno bipolar possui forte componente biológico e sua principal forma de tratamento é com medicamentos estabilizadores do humor. Entretanto, estamos diante de uma doença crônica, que necessita de acompanhamento e controle por toda a vida. Por isso, o papel da psicoterapia para o seu tratamento é muito importante, visto que a cooperação é fator importante no tratamento, e a terapia pode ter um papel fundamental na adesão.

Sabe-se que a síndrome sofre influência de fatores de estresse e tem importantes conseqüências psicossociais, interpessoais e de diminuição da qualidade de vida. Uma porcentagem relevante de portadores não tem boa resposta aos tratamentos atuais, apresentando fases, apesar de adequadamente tratados. Isto sem falar no estigma, desmoralização, problemas da família e nas dificuldades e conflitos psicodinâmicos que qualquer pessoa pode apresentar. (Lotufo Neto, 2004).

Diversos estudos demonstram que inúmeros fatores psicossociais influenciam o surgimento do transtorno bipolar, incluindo-se fatores relacionados ao funcionamento social, familiar, psicológico e ocupacional. Fatores psicossociais podem contribuir de 25-30% na variação do curso da doença, representados em grande parte por situações de vida. Além disso, inúmeros eventos de vida relacionados ao estresse têm demonstrado influenciar o curso do transtorno bipolar. O déficit psicossocial dos pacientes com o transtorno é severo e a melhora tem sido relacionada com bom suporte familiar e social. Os efeitos negativos na aderência ao tratamento farmacológico e prognóstico parecem ser influenciados por fatores familiares que envolvem a expressão negativa das emoções, o desconhecimento sobre a doença, a estigmatização do paciente e a negação da doença. (Machado-Vieira, Santin e Soares, 2004; Colom e Vieta, 2004).

Diante destes aspectos, a psicoeducação é um componente essencial do tratamento combinado do transtorno bipolar objetivando melhorar o insight sobre a doença, lidar com a estigmatização, melhorar a adesão ao tratamento, ensinar o paciente e a família a identificar os sinais prodrômicos precoces, promover hábitos saudáveis e a regularidade no estilo de vida e evitar o abuso de substâncias. (Colom e Vieta, 2004).

A psicoeducação é apenas uma das possíveis intervenções psicossociais atualmente em uso para o tratamento de pacientes com transtorno bipolar.

A terapia focada na família busca diminuir o grau de estresse na família, o qual pode contribuir ou induzir crises nos pacientes com transtorno bipolar. Este tratamento inclui o desenvolvimento pela família de formas como lidar com a doença e como manejar os sintomas, na busca da prevenção de recaída. Esta abordagem inclui a aplicação de comunicação exemplar para a resolução dos problemas, psicoeducação e técnicas de prevenção de recaída, tal como a identificação precoce dos sintomas. E ainda, caracterizar a medicação como algo positivo e bom para o paciente, além de fornecer informação e educação sobre a mesma, através do tratamento em contexto familiar, visando auxiliar o paciente na busca de melhor aderência ao tratamento. (Machado-Vieira, Santin e Soares, 2004).

A terapia interpessoal de ritmo social visa a regulação dos ritmos sociais e o treinamento de pacientes e familiares para a identificação precoce de estressores internos e externos relacionados ao surgimento de sintomas. A terapia interpessoal e de ritmo social enfatiza que eventos de vida podem desencadear episódios maníacos e depressivos através de alterações nos padrões de sono, alimentação, trabalho e exercício. Deste modo, estimula e educa o paciente a lidar com seus horários de forma mais responsável e organizada. A manutenção de uma rotina diária regular, incluindo horários para dormir e acordar, visa auxiliar na prevenção de episódios maníacos. Assim, enfatiza a importância do manejo dos sintomas, ensinando o paciente a estabilizar os ritmos sociais através do autocontrole, direcionamento para objetivos específicos e reconstrução cognitiva. Esta técnica também ensina a lidar com a culpa, disputas interpessoais, sentimento de inferioridade e a variada gama de transições de vida. A aplicação desta terapia, em combinação com medicação, reduz os sintomas depressivos, enfatizando a influência do estresse, de eventos de vida e do suporte social no curso do transtorno. Entretanto, esta abordagem ainda apresenta poucos resultados comprovados na prevenção de recaída, demonstrando melhorar sintomas subsindrômicos entre os episódios. (Machado-Vieira, Santin e Soares, 2004).

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) auxilia a modificar características de pensamentos disfuncionais associados ao transtorno bipolar. Estimula-se o paciente a perguntar sobre seu transtorno, causas e tratamento. Como em toda terapia cognitiva, o modelo cognitivo é apresentado e se ensina a pessoa a identificar e a analisar as mudanças cognitivas que ocorrem na depressão e mania, seus pensamentos automáticos e as distorções do pensamento. Os problemas psicossociais e interpessoais são discutidos e são ensinadas técnicas para que estes sejam melhor manejados. (Machado-Vieira, Santin e Soares, 2004; Lotufo Neto, 2004).

Os objetivos da TCC são educar pacientes e seus familiares e amigos sobre o transtorno bipolar, seu tratamento e dificuldades associadas à doença; ajudar o paciente a ter um papel mais ativo no seu tratamento; ensinar métodos de monitoração da ocorrência, gravidade e curso dos sintomas maníaco-depressivos; facilitar a cooperação com o tratamento; oferecer técnicas não farmacológicas para lidar com pensamentos, emoções e comportamentos problemáticos; ajudar a controlar sintomas leves sem necessidade de modificar medicação; ajudar a enfrentar fatores de estresse que podem interferir no tratamento ou precipitar episódios de mania ou depressão; estimular o aceitar a doença; diminuir trauma e estigma associados; aumentar o efeito protetor da família; ensinar habilidades para lidar com problemas, sintomas e dificuldades. (Lotufo Neto, 2004; Kirk e Clark, 1997).

 

5. Tratamento Farmacológico

 

Sais de lítio

Os sais de lítio é o tratamento de escolha para a maioria dos casos de mania aguda e para a profilaxia das recorrências das fases maníaco-depressivas. Na mania aguda, a eficácia do lítio situa-se, conforme o tipo de pacienrtes incluídos, entre 49% e 80% dos casos, mostrando-se mais específico do que os neurolépticos na redução dos sintomas nucleares da mania (exaltação do humor, aceleração do pensamento e idéias de grandiosidade); em contraposição, os neurolépticos mostram-se mais rápidos e eficazes no controle da hiperatividade e da agitação psicomotora, sugerindo que sua ação se devesse a uma sedação mais inespecífica. Numerosos estudos controlados confirmam a eficácia do lítio na profilaxia de ambas as fases (maníacas e depressivas) do transtorno bipolar. As manias típicas, assim como os episódios de mania são seguidos por eutimia e depressão. Os pacientes com mania mista (mesclada com sintomas depressivos), mania disfórica (com marcada irritabilidade) e com cicladores rápidos (aqueles com mais de quatro ciclos em um ano) não respondem tão bem ao lítio; para esses pacientes, o ácido valpróico/valproato ou a carbamazepina podem se constituir em melhor indicação. (Porto, 2002).

As queixas relativas aos efeitos colaterais mais comuns são: sede e polúria; problemas de memória; tremores; ganho de peso; sonolência/cansaço, e diarréia. No início do tratamento, são comuns: azia; náuseas; fezes amolecidas, assim como a sensação de peso nas pernas e cansaço, desaparecendo com o tempo. Diarréia e tremores grosseiros, aparecendo tardiamente no curso do tratamento, podem indicar intoxicação e requerem imediata avaliação. (op. cit).

Dentre os efeitos colaterais tardios do lítio, os efeitos sobre a tiróide merecem particular atenção; o desenvolvimento de um hipotiroidismo clinicamente significativo ocorre em até 5% dos pacientes (em alguns casos, chegando ao bócio), enquanto elevações do TSH chegam a 30% dos casos. Muitas vezes, a complementação com hormônios da tireóide (mais comumente T4) torna desnecessária a interrupção do uso do lítio, mas, eventualmente, o médico precisará mudar para outro estabilizador do humor. O lítio pode aumentar os níveis séricos do cálcio, e a associação com anormalidades da paratiróide pode ocorrer, embora mais raramente. Outros efeitos são: edema; acne; agravamento de psoríase; tremores (eventualmente tratados com beta-bloqueadores); e ganho de peso (25% dos pacientes em uso do lítio tornam-se obesos, razão pela qual nunca será demais insistir precocemente em cuidados relativos à dieta e aos exercícios). Cumpre notar também que o lítio pode diminuir o limiar convulsígeno e, em alguns casos, pode causar ataxia, fala pastosa e síndrome extrapiramidal (particularmente em idosos). Os efeitos renais do lítio incluem aumento da diurese, conseqüente à diminuição da capacidade de concentração da urina e oposição à ação do hormônio antidiurético (ADH); fala-se em diabetes insipidus, quando os pacientes produzem mais que três litros de urina por dia. O lítio pode causar nefrite intersticial, a qual geralmente não tem importância clínica. As alterações cardíacas são geralmente benignas e incluem achatamento ou possível inversão da onda T, diminuição da frequência cardíaca e, raramente, arritmias. (op. cit).

Cumpre notar que o uso de antidepressivos (em especial os tricíclicos) pode causar mudança para a fase maníaca em pacientes bipolares, ainda quando em uso concomitante de lítio, além de poderem eliciar o aparecimento de ciclos rápidos e de episódios mistos. O tratamento da depressão nos pacientes bipolares deve ser tentado antes com estabilizadores do humor, empregando-se, eventualmente, também o bupropion ou IMAOs (com as cautelas requeridas para esse grupo de pacientes) ou também a ECT, nos casos resistentes aos tratamentos habituais (retirando-se previamente o lítio). (op. cit).

 

Anticonvulsivantes

O valproato ou o divalproex (um composto contendo iguais proporções de ácido valpróico e valproato de sódio) têm sido amplamente utilizados, nos últimos anos, para o tratamento do transtorno bipolar. Existem estudos controlados mostrando sua eficácia no tratamento da mania aguda; há também dados indicando que o valproato pode ser mais eficaz do que o lítio para a mania mista e para os cicladores rápidos. Embora faltem estudos controlados sobre o uso do valproato na manutenção, existem estudos abertos e naturalísticos que apontam para sua eficácia também na profilaxia da mania e da depressão. Há menos evidências que sustentem o uso do valproato no tratamento da depressão bipolar, embora alguns estudos sugiram certa eficácia. O valproato ou o divalproex podem ser combinados com o lítio. Respeitando-se as interações farmacocinéticas, eventualmente, o valproato ou o divalproex podem ser combinados também com a carbamazepina, nos casos resistentes à monoterapia. (op. cit).

Efeitos colaterais comuns do valproato incluem: sedação; perturbações gastrointestinais; náusea; vômitos; diarréia; elevação benigna das transaminases; e tremores. Leucopenia assintomática e trombocitopenia podem ocorrer. Outros efeitos incluem: queda de cabelo (às vezes acentuada) e aumento do peso e do apetite. Em alguns casos, a leucpenia pode ser severa e acarretar a interrupção do tratamento. Efeitos idiossincráticos incluem o desenvolvimento de ovários policísticos e hiperandrogenismo. Casos de morte, embora raros, têm sido descritos devido a hepatotoxicidade, pancreatite e agranulocitose. (op. cit).

 Entre os efeitos colaterais da CBZ estão: diplopia, visão borrada, fadiga, náusea e ataxia. Esses efeitos geralmente são transitórios, melhorando com o tempo e/ou com a redução da dose. A hiponatremia deve-se à retenção de água devido ao efeito antidiurético da CBZ, mais comum nos idosos; às vezes, a hiponatremia leva à necessidade de interromper o uso desse medicamento. A CBZ pode diminuir os níveis de tiroxina e elevar os níveis do cortisol. No entanto, raramente esses efeitos são clinicamente significativos. Efeitos raros, mas potencialmente fatais, incluem: agranulocitose, anemia aplásica, dermatite esfoliativa (por exemplo, Stevens-Johnson) e pancreatite. Muito raramente pode ocorrer insuficiência renal e alterações da condução cardíaca. (op. cit).

Novos anticonvulsivantes têm sido testados no transtorno bipolar, como a oxcarbazepina, a lamotrigina, a gabapentina e o topiramato. Ainda não existem muitos estudos controlados com esses medicamentos, o que faz com que sejam empregados com cautela e para casos resistentes aos tratamentos já estabelecidos. (op. cit).

A oxcarbazepina é o 10- ceto análogo da carbamazepina (CBZ), que em contraste com esta, não induz ao aumentodo metabolismo oxidativo hepático. Aparentemente, a oxcarbazepina causa menos sedação do que a CBZ, assim como não eleva as enzimas hepáticas na mesma freqüência do que a CBZ. Alguns estudos controlados indicam sua eficácia na mania aguda, podendo eventualmente substituir a CBZ, quando ela não for bem tolerada. Faltam, no entanto, estudos referentes à depressão e à profilaxia do transtorno bipolar. (op. cit).

A lamotrigina é um anticonvulsivante da classe da feniltriazina, que tem se mostrado eficaz no tratamento do transtorno bipolar, incluindo os estados mistos e os cicladores rápidos. Seus efeitos colaterais incluem: tonturas, ataxia, sonolência, cefaléia, diplopia, náuseas, vômitos. A lamotrigina pode reduzir a concentração do ácido fólico. A diminuição do ácido fólico, por sua vez, tem sido relacionada à teratogênese. Por essa razão, a lamotrigina não deve ser usada durante a gestação. (op. cit).

O topiramato tem sido , mais recentemente, testado no transtorno bipolar; seus efeitos colaterias incluem: perda de peso, redução do apetite, náuseas, parestesias, sonolência, tonturas e cansaço. Em monoterapia, o topiramato mostrou-se útil em alguns pacientes. Em associação a outras drogas, tem-se mostrado útil também na depressão bipolar, mania, hipomania e em estados mistos. Aguardam-se estudos prospectivos, controlados, com número maior de pacientes. (op. cit).

Neurolépticos

Há muito tempo, os neurolépticos clássicos têm sido utilizados no tratamento da mania aguda, pela rapidez da ação e pelo controle da agitação psicomotora; seu uso, no tratamento de manutenção, é evitado pelos efeitos colaterais (parkinsonismo, acatisia e risco do desenvolvimento de discinesia tardia), podendo ainda desencadear ou agravar quadros depressivos. Neurolépticos atípicos, como a clozapina, têm sido usados como estabilizadores do humor em quadros resistentes. A clozapina, no entanto, tem seu uso limitado pelo risco de agranulocitose. A risperidona e a olanzapina têm sido também utilizadas na mania aguda; a olanzapina começa a ser testada como estabilizadora do humor. (op. cit).

A olanzapina, em pesquisa randomizada e controlada com placebo, mostrou-se eficaz no controle da mania aguda, e está sendo estudada como estabilizadora do humor.

Outros agentes

Bloqueadores dos canais de cálcio, clonidina e a estimulação magnética transcraniana de repetição (rTMS) têm sido utilizados no tratamento do transtorno bipolar. Seu uso ainda é experimental e limitado a casos resistentes a outras drogas. O clonazepam é mais freqüentemente usado como coadjuvante, nos casos de agitação e insônia. (op. cit).

Eletroconvulsoterapia

A eletroconvulsoterapia conserva lugar de destaque no tratamento dos casos resistentes, mostrando ação antidepressiva, antimaníaca e estabilizadora do humor. Em casos refratários, chega a ser utilizada, dentro de certos limites, até como tratamento de manutenção (em aplicações mensais). O ECT deve sempre ser realizado com relaxantes musculares (geralmente, a succinilcolina), anestesia e oxigenação; além da oximetria, deve-se monitorizar o EEG e o ECG. Recomenda-se que a eletroconvulsoterapia deva ser feita com corrente de pulsos breves (“onda quadrada”) e aplicada somente por médicos com treinamento especializado. (op. cit).

 

6. Conclusão

 

O transtorno de humor bipolar é uma patologia incurável , recorrente e crônica, sendo que inúmeros fatores de vida relacionados ao estresse demonstram influenciar o curso da doença. Devido a esses fatores, a doença está associada com grave disfunção familiar, social e ocupacional, especialmente quando o tratamento farmacológico não é realizado de forma continuada. O tratamento deve ser priorizado por uma equipe multidisciplinar, englobando várias vertentes de tratamento, inclusive intervenções psicossociais, visando por exemplo, melhorar a aderência medicamentosa e diminuindo os riscos de recaída.

Dessa forma, este estudo visou reunir dados e informações atuais sobre o transtorno afetivo bipolar e seus diversos tratamentos, para que assim, os profissionais de saúde possam ter a possibilidade de conhecer as modalidades de tratamento disponíveis, tendo em vista, não apenas o bem-estar físico do paciente, mas também o bem-estar emocional e social do mesmo e sua família.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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