Transtorno Obsessivo-Compulsivo

19/06/2010 18:37

 

O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

 

 Raquel Ayres de Almeida

 

O Transtorno obsessivo-Compulsivo, ou TOC, era considerado, até o início dos anos 80, um transtorno incomum e com fraca resposta ao tratamento. Atualmente, reconhece-se que o TOC é comum e bastante sensível ao tratamento.

Contudo, não há um consenso na classificação do transtorno entre os dois principais sistemas de classificação em psiquiatria. Enquanto no DSM-IV o TOC é situado junto dos transtornos de ansiedade, a CID-10 categoriza-o separadamente dos quadros ansiosos e fóbicos, situando-o em “transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes”, incluindo uma proximidade com quadros depressivos. Dessa forma, percebe-se uma controvérsia quanto à importância do papel da ansiedade nesse transtorno, que é considerado por alguns autores como relacionado aos transtornos de humor ou de pensamento.

O fato é que o TOC consiste em um amplo e instigante espectro de sintomas, não apenas de natureza ansiosa, mas com características que o aproximam de outros transtornos mentais, ao mesmo tempo que mantém algumas especificidades clínicas, psicopatológicas e cognitivas que o tornam único.

 

QUADRO CLÍNICO                     

Os critérios diagnósticos do TOC destacam como essencial a presença de obsessões e/ou compulsões. Porém, tais sintomas não são exclusivos ou patognomônicos do TOC, podendo fazer parte da apresentação clínica de outros transtornos primários, como as depressões, esquizofrenias e demências. Podem ainda ser manifestações normais em determinadas fases da vida, como infância, gravidez e puerpério.

Na conceituação de obsessão e compulsão há uma diferenciação quanto às duas classificações: para a CID-10, as obsessões são eventos mentais, ou seja, idéias, imagens ou impulsos que entram na mente do indivíduo repetidamente de uma forma estereotipada, sendo angustiantes e o paciente usualmente não consegue resistir-lhes, enquanto as compulsões são comportamentos observáveis, ou seja, comportamentos estereotipados que se repetem muitas vezes, prevenindo algum evento improvável que envolve dano ao paciente ou por ele causado, e é reconhecido pelo mesmo como despropositado ou ineficaz e tentativas repetidas são feitas para resistir a ele. 

Já o DSM-IV enfatiza não a expressão dos sintomas, mas sua função. Assim, obsessões seriam pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes, invasivos e desagradáveis, reconhecidos como próprios pelo indivíduo, que causam ansiedade ou mal-estar relevantes, tomam tempo e interferem negativamente em suas atividades e/ou relacionamentos. As compulsões são caracterizadas como comportamentos ou atos mentais repetitivos, que o indivíduo é levado a executar voluntariamente em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras rígidas, para neutralizar ou reduzir a ansiedade e o desconforto, ou prevenir algum evento temido. Portanto, enquanto as obsessões gerariam desconforto emocional ou ansiedade, os rituais compulsivos tenderiam a alivia-los, não sendo em si mesmos prazerosos. Entretanto, quando um indivíduo resiste à realização de uma compulsão, a ansiedade aumenta.

Essa função de neutralização ou atenuação imediata da ansiedade manteria as compulsões num ciclo de difícil rompimento. O transtorno obsessivo-compulsivo pode ser um transtorno incapacitante, porque as obsessões podem consumir tempo e interferirem significativamente na rotina normal do indivíduo, em seu funcionamento ocupacional, atividades sociais habituais ou relacionamentos com familiares e amigos.

O conteúdo dos pensamentos ou imagens mentais aversivas geralmente se refere a acidentes, doenças ou perdas de pessoas queridas. As obsessões de contaminação são bem comuns e conhecidas, enquanto as somáticas envolvem preocupações irracionais com doenças não contagiosas ou com a aparência física. As obsessões agressivas apresentam-se geralmente como “fobias de impulsos”: medo de sem querer ferir, matar ou prejudicar alguém, de se matar, ou ainda fazer algo proibido. Obsessões sexuais diferem muito das fantasias sexuais por serem inoportunas e geradoras de angústia e culpa. As religiosas referem-se a preocupações exageradas com pecado.

 

CURSO CLÍNICO e PROGNÓSTICO

O curso é em geral crônico e flutuante, com períodos de melhora e piora, sendo raros os casos de evolução episódica (remissão completa) ou deteriorante. Não há necessariamente piora regressiva, mas os rituais tendem a ficar mais sedimentados com o tempo. A gravidade é bastante variável, havendo desde casos leves a aqueles extremamente incapacitantes, mesmo para atividades rotineiras.

Mais de 50% dos pacientes experimentam um início súbito dos sintomas, sendo que, em aproximadamente 50 a 70% dos pacientes o início dos sintomas ocorre após um acontecimento estressante. Uma vez que muitos pacientes procuram manter seus sintomas em segredo, há frequentemente uma demora de 5 a 10 anos até chegarem ao psiquiatra.

Cerca de 20 a 30% dos pacientes têm melhoras significativas em seus sintomas, e 40 a 50% têm uma melhora moderada. Há relatos variados de que 20 a 40% dos pacientes permanecem doentes ou até piorem em seus sintomas. Aproximadamente um terço desses pacientes desenvolvem transtorno depressivo maior, com risco de suicídio.

Um melhor prognóstico é sugerido por um bom ajustamento social e profissional, ausência de compulsões na presença de obsessões, presença de um evento desencadeante e sintomas de natureza episódica. O conteúdo da obsessão real não parece estar relacionado ao prognóstico.

 

EPIDEMIOLOGIA

Usualmente o início do TOC se dá no começo da vida adulta ou já na infância, com o mesmo padrão sintomatológico. Enquanto na infância acomete mais meninos, não há diferenças significativas de prevalência na idade adulta entre os dois sexos. Os casos de início mais tardio costumam ser de mulheres. A idade média de início é por volta dos 20 anos, embora os homens tenham uma idade levemente mais precoce de início.

A prevalência do TOC na população geral está estimada em 2 a 3 %, embora alguns autores estimam que o TOC seja encontrado em até 10% dos pacientes ambulatoriais em clínicas psiquiátricas. Esses números tornam o transtorno obsessivo-compulsivo o quarto diagnóstico psiquiátrico mais comum, após as fobias, transtornos relacionados à substâncias e transtorno depressivo maior.

 

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS (segundo o DSM-IV)

A. Obsessões ou compulsões:


Obsessões, definidas por (1), (2), (3) e (4):


(1) pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes que, em algum momento durante a perturbação, são experimentados como intrusivos e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento

(2) os pensamentos, impulsos ou imagens não são meras preocupações excessivas com problemas da vida real

(3) a pessoa tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou imagens, ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação

(4) a pessoa reconhece que os pensamentos, impulsos ou imagens obsessivas são produto de sua própria mente (não impostos a partir de fora, como na inserção de pensamentos)

 

Compulsões, definidas por (1) e (2)

 

(1) comportamentos repetitivos (por ex., lavar as mãos, organizar, verificar) ou atos mentais (por ex., orar, contar ou repetir palavras em silêncio) que a pessoa se sente compelida a executar em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras que devem ser rigidamente aplicadas.

(2) os comportamentos ou atos mentais visam a prevenir ou reduzir o sofrimento ou evitar algum evento ou situação temida; entretanto, esses comportamentos ou atos mentais não têm uma conexão realista com o que visam a neutralizar ou evitar ou são claramente excessivos.


B. Em algum ponto durante o curso do transtorno, o indivíduo reconheceu que as obsessões ou compulsões são excessivas ou irracionais.
Nota: Isso não se aplica a crianças.


C. As obsessões ou compulsões causam acentuado sofrimento, consomem tempo (tomam mais de 1 hora por dia) ou interferem significativamente na rotina, funcionamento ocupacional (ou acadêmico), atividades ou relacionamentos sociais habituais do indivíduo.


D. Se um outro transtorno do Eixo I está presente, o conteúdo das obsessões ou compulsões não está restrito a ele (por ex., preocupação com alimentos na presença de um Transtorno Alimentar; puxar os cabelos na presença de Tricotilomania; preocupação com a aparência na presença de Transtorno Dismórfico Corporal; preocupação com drogas na presença de um Transtorno por Uso de Substância; preocupação com ter uma doença grave na presença de Hipocondria; preocupação com anseios ou fantasias sexuais na presença de uma Parafilia; ruminações de culpa na presença de um Transtorno Depressivo Maior).


E. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex., droga de abuso, medicamento) ou de uma condição médica geral.

 

Especificar se:

Com Insight Pobre: se, na maior parte do tempo durante o episódio atual, o indivíduo não reconhece que as obsessões e compulsões são excessivas ou irracionais

 

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 

O TOC deve ser diferenciado de pensamentos ou hábitos comuns ou levemente excessivos pela sua característica de sofrimento pessoal e comprometimento pessoal.

Os principais transtornos neurológicos a serem considerados no diagnóstico diferencial são o transtorno de Tourette, epilepsia do lobo temporal, e traumatismo e complicações pós-encefalíticas.

Dentre as condições psiquiátricas, vários transtorno mentais apresentam aspectos clínicos de alguma forma semelhantes ao TOC, podendo confundir os limites diagnósticos. São eles: as fobias e depressões, transtorno de ansiedade generalizada, do estresse pós-traumático e de pânico, transtornos somatoformes, delirantes e esquizofrênicos, de controle de impulsos, transtornos alimentares, de tiques e transtorno obsessivo-compulsivo de personalidade.

 

TRATAMENTO

O tratamento do TOC pauta-se fundamentalmente em abordagens psicoterápicas (linha cognitivo comportamental) e no uso de medicamentos antidepressivos de ação serotoninérgica. Muitos pacientes com TOC resistem aos esforços de tratamento, recusando-se a tomar os medicamentos e resistindo a realizar as tarefas de casa e outras atividades prescritas pelos terapeutas do comportamento.

 

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

 

Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed, 1993.

DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4 ed. rev. Porto Alegre: Artemed, 2002.

HETEM, L.A.B.; GRAEFF, F.G. Transtornos de Ansiedade. São Paulo: Editora Atheneu, 2004.

KAPLAN, H.I.; SADOCK, B.J.; GREBB, J.A. Compêndio de Psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 7 ed. Porto Alegre: Artmed, 1997.

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