Tratamento do Tabagismo
05/10/2010 19:07Parar de fumar é possível
Aline Arias Wolff
O tabagismo é uma das adições mais sérias e com maior número de repercussões clínicas que podem levar a morte. Segundo as estimativas da Organização Mundial de Saúde, a cada dia, 100 mil crianças tornam-se fumantes em todo o planeta. Cerca de cinco milhões de pessoas morrem, por ano, vítimas do uso do tabaco. Caso as estimativas de aumento do consumo de produtos como cigarros, charutos e cachimbos se confirmem, esse número aumentará para 10 milhões de mortes anuais por volta de 2030. O Ministério da Saúde (2001) ainda informa que
• A fumaça do cigarro reúne, aproximadamente, 4,7 mil substâncias tóxicas diferentes e muitas delas são cancerígenas
• O tabagismo está ligado a 50 tipos de doenças como câncer de pulmão, de boca e de faringe, além de problemas cardíacos
• No Brasil, 23 pessoas morrem por hora em virtude de doenças ligadas ao tabagismo
Apesar dos inúmero efeitos negativos do cigarro e de 96,1% dos brasileiros acreditarem que o fumo causa sérias doenças ainda existem 24,6 milhões de adultos fumantes em nosso país (OMS).Existe uma grande dificuldade dos usuários abandonarem o tabaco, pois muitas vezes não sabem como fazê-lo. Acontece que o tabagismo é uma doença crônica de dependência à nicotina, que precisa ser tratada adequadamente e com uma rede de atendimento devidamente capacitada. A terapêutica combinada entre fármacos e a terapia cognitivo-comportamental vem sendo a mais largamente recomendada e tida como eficaz.
Parar de fumar é um processo dinâmico que envolve diferentes estágios. Em cada um deles o indivíduo apresenta diferentes processos cognitivos e comportamentais (Prochaska, Di Clemente, Hover-Ross, 1992). Esses estágios foram chamadas de estágio motivacionais e encontram-se descritos a seguir:
Pré-contemplação: Nesse estágio o indivíduo não considera a possibilidade de mudança, pois não assumem sua condição como um problema e buscam tratamento apenas sob coerção
Contemplação: O indíviduo concebe que tem um problema, mas oscila entre querer e não querer a mudança, não tendo um compromisso com ele. Também chamada de ambivalência.
Preparação para a ação: Nessa fase o indivíduo desenvolve a intenção de mudar, já tem algumas iniciativas de mudança, mas a ação ainda não está consolidada
Ação: Neste estágio ocorre o engajamento em ações de mudança, despende tempo, busca tratamento e promove mudanças
Manutenção: Nesse estágio os ganhos adquiridos devem ser mantidos e consolidados
Nível de Dependência
Um dos primeiros instrumentos desenvolvidos para testar o nível de dependência é o teste de Fagerström (FTQ – Questionário de Tolerância de Fageström). De acordo com as diretrizes para cessação de Tabagismo a vantagem do FTQ é que ele foi desenvolvido especificamente para avaliar a dependência física à nicotina. No quadro 1 encontra-se o teste e uma soma acima de seis pontos no resultado indica que o paciente terá desconforto significativo ao deixar de fumar – síndrome de abstinência.
Outro meio para avaliar a dependância à nicotina é através da mensuração de seu principal metabólito – a cotinina- e o monóxido de carbono no ar expirado (COex). Esses testes são bastante úteis quando disponíveis, sobretudo para que o fumante em processo de cessação monitore seu progresso.
Quadro 1 - Teste de Fagerström para a dependência à nicotina. 1. Quanto tempo após acordar você fuma seu primeiro cigarro? (3) nos primeiros 5 minutos (2) de 6 a 30 minutos (1) de 31 a 60 minutos (0) mais de 60 minutos 2. Você acha difícil não fumar em lugares proibidos? (1) sim (0) não 3. Qual o cigarro do dia que traz mais satisfação? (1) o 1° da manhã (0) os outros 4. Quantos cigarros você fuma por dia? (0) menos de 10 (1) 11-20 (2) 21-30 (3) mais de 31 5. Você fuma mais freqüentemente pela manhã? (1) sim (0) não 6. Você fuma mesmo doente, quando precisa ficar acamado a maior parte do tempo? (1) sim (0) não Total: 0-2 = muito baixa; 3-4 = baixa; 5 = média; 6-7 = elevada; 8-10 = muito elevada
Terapia Cognitivo-Comportamental
De acordo com Sardinha e colaboradores (2005) a abordagem cognitivo-comportamental combina intervenções cognitivas com desenvolvimento de estratégias comportamentais, sendo muito usada nos tratamento de dependência química. Os componente principais dessa abordagem envolvem a detecção de situações de risco de recaída e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. Dentre as várias estratégias empregadas nesse tipo de abordagem temos, por exemplo, o auto-monitoramento, o controle de estímulos, o emprego de técnicas de relaxamento, a avaliação do papel das crenças e das emoções no hábito de fumar, entre outros.
O tabagismo conta com dois tipos de dependências que geralmente aparecem associadas. Uma é a dependência física de natureza bioquímica, responsável pelos sintomas de abstinência quando se deixa de fumar, a outra é a dependência psicossocial, que repousa no hábito e no sentimento de ter no cigarro um apoio para lidar com sentimentos negativos, como frustração, ansiedade, solidão ou ainda em resposta a pressões sociais, com condicionamentos oriundos de associações de comportamentos com o fumar, como fumar e consumir bebidas alcóolicas, fumar e beber café, fumar após as relações sexuais, entre outras.
Uma estratégia da TCC muito utilizada para o tratamento do tabagismo é a entrevista motivacional, como nos traz Giglioti e colegas (2001). A técnica é destinada a auxiliar pessoas a identificar ou reconhecer as dificuldades pelas quais estão passando e chegar ao ponto de decidir fazer as modificações necessárias. Ela se destina especialmente a pessoas ambivalentes quanto à necessidade de mudança. Seu objetivo principal é criar um clima positivo que torne possível a mudança, enfatizando a motivação intrínseca do indivíduo versus uma imposição externa
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) irá auxiliar os fumantes que desejam parar de fumar na reestruturação de suas vidas sem o cigarro. O processo de mudança envolve alterações comportamentais, no ambiente e na rotina dos indivíduos. O papel do terapeuta nesse processo é bastante ativo e é preciso que esse esteja sempre disponível para auxiliar o paciente a mudar seus hábitos, da mesma forma o paciente participa ativamente do tratamento e impõe o seu ritmo, estruturando-se uma dupla terapêutica. A família,amigos e companheiros são fundamentais para a evolução do tratamento e funcionam como elementos motivacionais, precisando, dessa forma, estar alinhados com o tratamento.
A TCC pode ser oferecida tanto no atendimento individual quanto em grupo e, de modo geral, é mais freuquente na fase inicial e progressivamente vai diminuindo até a cessação do tabagismo e os ganhos terapêuticos se consolidarem.
Tratamentos Farmacológicos
A farmacoterapia pode ser utilizada como um apoio, em situações bem definidas, para alguns pacientes que desejam parar de fumar. Ela tem a função de facilitar a abordagem cognitivo-comportamental, que é a base para a cessação do tabagismo e deve sempre ser utilizada. (Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer - INCA, 2001)
De acordo com Silva (2010) genericamente há dois tipos de terapias farmacológicas para tratamento do tabagismo: TRN (tratamento de reposição de nicotina) e medicações sem nicotina. Seu principal objetico é reduzir os sintomas de abstinência e facilitar a abordagem cognitivo-comportamental.
Nicotina para tratamento de reposição (TRN)
O TRN é bastante usado para a cessação do tabagismo e apresenta-se através de gomas de mascar, pastilhas mastigáveis e adesivo. As gomas de mascar e pastilhas em geral trazem mais efeitos adversos, como doenças gengivais e periodontais, por exemplo, mas tem liberação mais rápida. Os adesivos transdérmicos são de liberação lenta e tem mais adesão. A eficácia dos dois tipos é equivalente. Indica-se TRN quando houver alta dependência à nicotina
A facilidade de modificas as dosagens permite ao médico individualizar as prescrições de acordo com as necessidades dos pacientes. Isso torna a TRN uma boa e segura opção terapêutica. (Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer - INCA, 2001)
Tartarato de Vareniclina
A Vareniclina é usada sobretudo quando há alta dependência à nicotina ou história de recaídas anteriores em tentativas de cessação. De acordo com Silva (2010) o medicamento atua diretamente nos receptores nicotínicos (α4β2) e tem efeitos agonistas (reduz a fissura e os sintomas de abstinência) e, antagonista superficial (reduz a satisfação de fumar). Essa última característica ajuda a reforçar o comportamento de cessação dos indivíduos e aumenta a sua motivação
Bupropiona
Consiste em um antidepressivo atípico de ação lenta e é o único medicamento psicoativo extensamente testado e validado pela FDA (Federal Drugs Administration). Seu mecanismo de ação poderia ser explicado pela redução do transporte neuronal dos neuro-transmissores – dopamina e noradrenalina – ou do antagonismo aos receptores nicotínicos, levando à redução da compulsão pelo uso de cigarros. O tratamento com a bupropiona deve-se iniciar uma semana antes de o paciente parar de fumar.
É possível perceber através dessa breve revisão que existem uma série de estratégias e formas de tratamento para auxiliar os tabagistas no processo de cessação. É fundamental salientar que o trabalho multidisciplinar e a disponibilidade dos psicólogos e médicos para esclarecimento e apoio aos pacientes é fator facilitar da adesão ao tratamento e de seu sucesso. Familiares e amigos funcionam como auxiliares terapêuticos e precisam estar dispostos e conscientes da importância de seu papel.
Referências Bibliográficas
Gigliotti, A, Carneiro, E & Ferreira, M. (2001). Tratamento do Tabagismo. Em: B. Rangé (Org.). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais – Um Diálogo com a Psiquiatria (pp. 475-490). Porto Alegre: Artmed.
Sardinha A, Oliva AD, D’Augustin J, Ribeiro F, Falcone EMO.Intervenção Cognitivo-Comportamental com grupos para o abandono do cigarro. Rev Bras Ter Cogn 2005; 1(1): 83-90.
Ministério da Saúde. (2001). Abordagem e tratamento do fumante: consenso. Disponível via URL:www.inca.gov.br/tabagismo/parar/consenso.htm
Silva, L.C.C. (2010). Tratamento do Tabagismo. Revista da AMRIGS. Porto Alegre, 54 (2): 232-239.
Prochaska J.D, Di Clemente CC, Hover-Ross JC. In search how people change: applications to addictive behavior. Am Psych Association, 1992;47:1102-14
———
Voltar