Assistência psicológica nas unidades hospitalares

 Assistência psicológica nas unidades hospitalares

 

Raquel Ayres de Almeida

 

Alguns locais do hospital são por si só desencadeadores de quadros ou reações psicopatológicas, independente de certas variáveis como idade, sexo, tipo e prognóstico da doença. (Romano, 1999). Serão descritos a seguir alguns locais onde o paciente é tratado no hospital.

No ambulatório clínico é realizada uma investigação especializada e elucidativa, tratamento e, caso necessário, indicação para internação. Dessa forma, a investigação pode revelar um resultado definitivo e esclarecedor a uma das duas hipóteses diagnósticas (positiva ou negativa), fazendo com que o paciente tenha respostas diversas quanto à ansiedade que envolve o momento. Geralmente o paciente de ambulatório vem ao psicólogo depois que é orientado pelo médico a se submeter a um acompanhamento psicológico, uma vez observado algum problema emocional a ser cuidado. O grande desafio do psicólogo é fazer o paciente aceitar a doença e não lutar contra ela, ajudando-o a conviver com ela sem sofrimento adicional. (Romano, 1999; Ismael, 2005).

Romano (1999) sugere que o psicólogo que atua em ambulatório de um hospital somente proponha acompanhamento psicológico àqueles pacientes cujo problema emocional principal guarde estreita ligação com sua patologia orgânica. Entretanto, diante da escassez de atendimentos clínicos ambulatoriais disponíveis para a população, o que se vê nos hospitais gerais são atendimentos psicoterápicos que visam aliviar o sofrimento psíquico independente da patologia física que o paciente possa carregar consigo.

As unidades de emergência ou pronto-socorro exigem prontidão de conhecimentos porque sempre se está esperando o desconhecido. Por outro lado, faltam condições para o atendimento adequado, não há vagas que possibilitem a continuidade do atendimento, muitos dos pacientes que recorrem às emergências o fazem para driblar uma longa fila de espera por uma consulta e pela possibilidade de fazer exames. Nessa situação é até possível que o médico perceba os aspectos emocionais da queixa do paciente, mas não pode mantê-lo na unidade. O tratamento do psicólogo deve ser pontual – ter início, meio e fim, uma vez que o paciente nem sempre ficará internado. O psicólogo precisa de habilidades que envolvem rapidez de raciocínio, perícia em ações e contar com o apoio de recursos da comunidade para encaminhamentos não só pertinentes e com eficiência real, mas que também estejam disponíveis para acolher prontamente esse paciente. (Romano, 1999; Ismael, 2005).

As unidades de internação ou enfermarias são a essência, a característica principal de um hospital. Como o próprio nome diz, o paciente ficará internado no hospital. Na hospitalização, o paciente perde sua individualidade, sente uma brusca ruptura com seu cotidiano, sente-se agredido pela rotina hospitalar e seu horário rígido, o que acaba por levá-lo ao processo de despersonalização, caracterizado pela sensação de perda de identidade e autonomia.

As possíveis reações emocionais do paciente envolvem passividade ou agressividade, argumentação sobre aspectos sem importância, manifestações de raiva ou depressão, pela dificuldade em aceitar não só sua doença, mas todo o processo de hospitalização e tratamento. Há também o medo da invalidez permanente, de depender do outro, da dor física, da anestesia em casos de cirurgia e de retornar para casa após a hospitalização, além das alterações na auto-imagem. O paciente enquanto hospitalizado é incitado a ficar mais introspectivo e reavaliar a vida e valores. (Ismael, 2005).

Nessas unidades, o psicólogo irá abordar com o paciente sua hospitalização, o que ela significa para o doente e para sua família, além de tentar conhecer um pouco de sua história de vida e sua doença. As questões psicológicas a serem abordadas devem ser focais, visando sempre aqueles aspectos estritamente relacionados com a doença, as dificuldades adaptativas à instituição hospitalar, o processo do adoecer, os meios diagnósticos. É importante ressaltar que nessa unidade de atendimento é o psicólogo quem procura o paciente, oferece ajuda a ele e ficará disponível também para sua família. (Romano, 1999; Ismael, 2005).

As unidades de terapia intensiva são aquelas destinadas a receber pacientes em estado grave, com possibilidade de recuperação, exigindo permanentemente assistência médica e de enfermagem, além da utilização de equipamentos especializados. Podem acolher pacientes clínicos ou cirúrgicos, e as ações desempenhadas nesta unidade são diuturnas, rápidas e precisas, exigindo o máximo de eficiência da equipe, além de conter o limite entre a vida e a morte. Na maioria das vezes, são áreas restritas à circulação, principalmente de pessoas estranhas à equipe e onde, geralmente, os familiares têm pouco ou nenhum acesso. (Romano, 1999).

Com o passar do tempo, a UTI modernizou-se em termos tecnológicos e aumentou também a preocupação com a humanização e com o atendimento personalizado ao indivíduo. Até a arquitetura buscou soluções menos traumatizantes e iatrogênicas, já que foi constatado que o ambiente gerava muitas desordens psicológicas, fruto de distúrbios psíquicos prévio, complicação subjacente à própria doença ou medicação, impacto emocional da doença, fatores ambientais como privação de sono, ruídos constantes, monotonia sensorial, ausência de orientação. (Romano, 1999).

Para muitas pessoas a UTI é sinônimo de morte iminente. Esses aspectos são vividos o tempo todo na rotina diária da unidade, exigindo das pessoas que nela trabalham e que nela lutam pela vida um posicionamento muito duro frente à morte. Muitas vezes essas pessoas se vêem obrigadas a refugiar-se no racional para agüentar a pressão emocional que tudo isso causa. Tem-se, portanto, como objetos da atenção do psicólogo na UTI uma tríade constituída de paciente, sua família e a própria equipe de saúde. O sofrimento físico e psíquico do paciente precisa ser entendido como uma coisa única, pois os dois aspectos interferem um no outro, visando um caminho de enfrentamento da dor, do sofrimento e eventualmente da própria morte mais digna e menos sofrida. (Angerami-Camon, 2006). É importante criar as condições de comunicação nesse momento: o psicólogo deve buscar o “falar” do paciente, seja através de gestos, olhares ou gemidos, e ser o porta-voz do doente. (Romano, 1999).

A família, igualmente angustiada e sofrida, que se sente impotente para ajudar seu familiar e que também se assusta com o espectro da morte, também precisa da atenção do psicólogo e deve ser envolvida no trabalho com o paciente por ser uma das raras motivações que este tem para enfrentar o sofrimento. O psicólogo deve facilitar, criar e garantir a comunicação efetiva e afetiva entre paciente/família e equipe, identificando qual membro da família tem mais condições intelectuais e emotivas para estar recebendo as informações da equipe. (Romano, 1999; Angerami-Camon, 2006).

A equipe de saúde também vivencia no seu cotidiano esse significado de viver e morrer, vivendo sentimentos ambivalentes de onipotência e impotência, a cobrança da expectativa de todos os envolvidos e a percepção da própria finitude. O psicólogo deve atuar como facilitador do fluxo dessas emoções e reflexões , detectar os focos de estresse e sinalizar as defesas exacerbadas. (Angerami-Camon, 2002).

Através da compreensão do objetivo a que se destina um ambulatório, pronto-socorro, centro de terapia intensiva e enfermarias, o psicólogo pode discernir qual metodologia é mais adequada e quais os ajustes técnicos serão necessários. Nesse sentido, a Psicoterapia Breve aparece como uma possibilidade de intervenção e, por isso, será discutida a seguir.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Angerami-Camon, V.A. (org). (2002). Psicologia da Saúde: Um novo significado para a prática clínica. Pioneira: São Paulo

Angerami-Camon, V.A. Psicologia hospitalar: passado, presente e perspectivas. In V.A. Angerami-Camon, H.B.C. Chiattone, E.A. Nicoletti. (2004). O doente, a psicologia e o hospital. (3. ed.). Pioneira: São Paulo.

Angerami-Camon, V.A., Chiattone, H.B.C. & Nicoletti, E.A. (2004). O doente, a psicologia e o hospital. (3. ed.). Pioneira: São Paulo.

Angerami-Camon, V.A. (org). (2006). Psicologia Hospitalar: teoria e prática. Pioneira: São Paulo

Bruscato, W.L. A psicologia no Hospital da Misericórdia: um modelo de atuação. In W.L. Bruscato; C. Benedetti & S.R.A. Lopes (org). (2004). A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: novas páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Bruscato, W.L.; Benedetti, C. & Lopes, S.R.A. (org). (2004). A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: novas páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Ismael, S.M.C. A inserção do psicólogo no contexto hospitalar. In S.M.C. Ismael (org). (2005). A prática psicológica e sua interface com as doenças. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Romano, B.W. (1999). Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Simonetti, A. (2004). Manual de Psicologia Hospitalar: o mapa da doença. São Paulo: Casa do Psicólogo.