Câncer de Mama: Aspectos Psicológicos

Câncer de Mama: Aspectos Psicológicos

  

Raquel Ayres de Almeida

 

O adoecer é uma confrontação com a angústia de deixarmos de existir de forma total (morte) ou parcial (mudanças biopsicossociais). Dessa forma, é uma ameaça à auto-imagem corporal idealizada, à identidade e à própria existência do indivíduo.

Foucault, em ‘Vigiar e Punir’ (citado por Alamy, 2002), fala que “a guilhotina suprime a vida, tal como a prisão suprime a liberdade, ou uma multa tira os bens” (p. 01). Tal citação pode ser comparada à situação de doença, quando se troca as palavras “guilhotina”, “prisão” e “liberdade”, por doença, hospital e tratamento, respectivamente. Dessa forma, a frase ficaria: A doença suprime a vida, tal como o hospital suprime a liberdade, ou um tratamento tira os bens. Essa analogia feita por Alamy (op cit.) reflete a situação do indivíduo quando este se vê privado de sua saúde. A doença faz uma ruptura na vida normal do sujeito, separando-o das suas atividades diárias e impondo novas situações; a hospitalização, com normas pré-determinadas, limita a autonomia do indivíduo e o seu diretiro de ir e vir; e os altos custos que o tratamento absorve.

Diantes desses aspectos, qualquer diagnóstico que imponha uma hospitalização gera impacto, principalmente se este diagnóstico vier com uma possibilidade mutiladora, acarretando uma série de preconceitos e fantasias associadas à patologia.

As experiências relacionadas ao câncer são sempre negativas, podendo gerar transtornos afetivos e provocar um afunilamento do campo perceptivo, fazendo com que o paciente só veja a doença e suas consequências, reais ou fantasiosas. (Miceli, 2006).  

 

Diagnóstico do Câncer de Mama: Crenças e Sentimentos Sobre a Doença e o Tratamento

 

Apesar dos avanços da medicina no tratamento do câncer e do aumento da veiculação de informações pela mídia, a percepção social da doença nem sempre reflete a situação real. O câncer ainda equivale a uma doença fatal, vergonhosa, misteriosa, sinônimo de morte, comumente associado a dor, sofrimento e degradação, aquilo que cresce e corrói, consome o indivíduo. (Rodrigues, Kajiya & Gazzi, 1991; Venâncio, 2004).

Segundo Sampaio (2006), com o avanço dos meios tecnológicos de detecção precoce, os tratamentos se tornam cada vez mais eficientes, contribuindo para o aumento de expectativa de vida das mulheres com câncer de mama. Diante desse aspecto, o câncer abandona seu status de doença freqüentemente fatal, assumindo características de uma doença crônica. Porém, mesmo com o prognóstico otimista para a maioria das mulheres diagnosticadas no estágio inicial da doença, o diagnóstico de câncer de mama tem um profundo impacto psicossocial nos pacientes e seus familiares. (Bergamasco & Angelo, 2001).

Rodrigues et al. (1991) citam a possibilidade dos sentimentos expressados pela população serem reflexo das crenças dos profissionais da área da saúde. Em pesquisas citadas pelos autores, os profissionais pesquisados manifestaram sentimentos de frustração e pessimismo em relação ao paciente com câncer e seu tratamento, contribuindo para que as pessoas mantenham sentimentos exclusivamente pessimistas sobre a doença.

Sant’Anna (1997) afirma que o câncer possui uma história repleta de “imagens de vergonha”, e esse sentimento é causado pelo fato da mulher ser afetada por uma “doença considerada inglória, relegada aos bastidores da cultura. Vergonha de abrigar um mal marcado pela imagem de corrosão [...] ou do castigo divino” (op cit., p. 43). Dessa forma, o doente se sente o único responsável por seus sofrimentos, confinando a doença ao silêncio, por ser um segredo difícil de ser compartilhado, detectado, narrado e ouvido. A vergonha pode ser agravada pela ameaça de mutilação de uma parte do corpo considerada um dos principais símbolos da identidade feminina. (Sant’Anna, 1997; Cunha, 2004).

O câncer de mama feminino é uma patologia que, para a mulher se traduz em muito sofrimento psicofísico e uma cirurgia mutiladora de um órgão que simboliza feminilidade, sexualidade e maternidade. Tratar este tema é tocar num estigma. Não só do ponto de vista do câncer, mas em relação à representação da mama. Esta doença afeta uma região do corpo da mulher cujo reconhecimento é contraditório. A mama feminina contém conotação estética, social e cultural, além de ser uma referência de gênero. Por uma lado, tem o caráter do aleitamento – funcional e de representação – e da maternidade; por outro, é fonte de prazer (sexualidade). Sendo assim, o anúncio desse diagnóstico, seguido pelos tratamentos, pode ocasionar abalos significativos na vida da paciente.   

Desde o momento em que a mulher descobre que tem um nódulo na mama, inicia-se um processo interno de dúvidas e incertezas que podem ou não ser amenizadas através de exames físico e radiológicos. (Maluf, Jo Mori & Barros, 2005). Caso haja confirmação do diagnóstico, ou seja, um tumor maligno, a mulher passará por várias fases de conflito interno, desde a negação da doença até a aceitação da existência do tumor. Esses conflitos são demonstrações das alterações psicológicas por que passam a mulher portadora de câncer de mama e seus familiares, não só no momento do diagnóstico, mas também durante todo o tratamento – agressivo e chocante. (op cit.).

O diagnóstico e todo o processo da doença são vividos pelo paciente e sua família como um momento de intensa angústia, sofrimento e ansiedade. O paciente vivencia no tratamento, geralmente longo, perdas e sintomas adversos, que acarretam prejuízos nas habilidades funcionais, vocacionais, incerteza quanto ao futuro e implicações nas relações sociais, gerando fantasias e preocupações em relação à morte, mutilação e dor. (Venâncio, 2004). Uma doença na mama compromete a construção social da identidade feminina nas representações simbólicas desta parte do corpo das mulheres. A mulher então, passa a ter o medo direcionado em dois focos: o medo do câncer propriamente dito e o medo da mutilação de um órgão que representa maternidade, estética, feminilidade e sexualidade.

Além da vida social, a profissional e a financeira também são prejudicadas. Há uma interrupção temporária ou permanente do trabalho e, conseqüentemente, diminuição ou ausência das fontes de renda, o que implica o empobrecimento, a dependência financeira e o desajuste familiar. Em consequência, há uma tendência à diminuição ou mesmo suspensão das atividades sociais e de lazer, devido ao desconforto físico, emocional e financeiro. (Miceli, 2006).

A família é muito importante no processo de cuidado ao doente, visto que este se encontra num momento de intensa fragilidade, necessitando de suporte por parte de seus familiares e amigos. Contudo, devido aos fortes laços afetivos que unem essas pessoas e pelo desconhecimento da evolução e tratamento da doença, a família tem dificuldade em lidar com a nova informação, com os sentimentos emergentes e com as mudanças oriundas de sua forçosa reorganização funcional, encontrando dificuldade em dar apoio a esta mulher. (Miceli, 2006; Maluf et al., 2005).

Meyerowitz (citado em Melo, 2002) delineou o impacto psicossocial da mulher em três áreas: desconforto psicológico (ansiedade, depressão e raiva), mudanças no padrão de vida (desconforto físico, interrupção no casamento ou na vida sexual e nível de atividade alterado), e medos e preocupações (perda do seio através da cirurgia mutiladora, recorrência da doença e morte). Outro dado importante que o autor descreveu através de seus estudos é que, o estágio da vida em que a doença ocorre, a estabilidade emocional e a presença ou não de suporte interpessoal, influenciam no impacto que o câncer de mama e o seu tratamento irão causar. Segundo o autor, dependendo da idade, há questões sociais e afetivas inerentes àquele momento. Dessa forma, quanto mais jovem a mulher, mais impacto causará, onde a fertilidade, a beleza e a atração física são mais valorizadas. As mulheres acima de 65 anos também sofreriam perdas, muitas vezes do marido, mas seriam mais resistentes a procurar ajuda apropriada, se tornando mulheres com maior risco de problemas na adaptação ao câncer de mama.

Segundo Miceli (2006) são inúmeros os sintomas emocionais apresentados pelos pacientes portadores de câncer. Dentre eles, pode-se citar: desconforto emocional, com o aparecimento de sentimentos de solidão, constrangimento, rejeição e estigma, tristeza, angústia, insegurança, vulnerabilidade, desesperança, baixa auto-estima, ansiedade e medo, o que pode levar a pensamentos de ruína, humor deprimido e/ou irritadiço, regressão e dependência emocional, raiva, culpa, descrença (inclusive religiosa), desejo de morte acompanhado ou não de ideação suicida, prejuízo da vida familiar, afetiva, sexual e/ou reprodutiva. O sentimento de impotência diante da doença pode-se traduzir pelo seu inverso, ou seja, por um sentimento de onipotência voltado para si mesmo, acreditando que tem poderes para curar-se, ou ainda, acreditando que será curado por Deus ou outras práticas religiosas.

A autora afirma ainda que, o aparecimento dos sintomas, seu tempo de duração e sua resolução, vão depender das características biopsicossociais da pessoa, ou seja, de idade, sexo, tipo e tempo da doença, do tratamento e suas seqüelas, alívio ou não de sintomas, prognóstico e expectativas de cura ou de morte, tipo de personalidade, história pessoal e familiar, suporte afetivo, familiar e social, nível cognitivo, educacional e cultural, crenças pessoais e religiosas. (op cit.).

Seger e cols. (2002) afirmam que estas emoções podem manifestar-se disfarçadas de sintomas físicos e psicossociais, como: fadiga, insônia, euforia, anorexia, brigas constantes com familiares, reclusão e insistência em continuar atividades que após o diagnóstico deixam de ser saudáveis. Porém, essas reações tendem a amenizar com o tempo.

Alguns autores citam ainda que as reações das pacientes frente ao diagnóstico ou tratamento dependem de características individuais, ou seja, da personalidade, que irão influenciar a forma de avaliar a importância da doença e a forma de enfrentá-la. (Seger, 2002; Venâncio, 2004; Maluf et al., 2005). Pessoas autoritárias e agressivas teriam maiores dificuldades em aceitar a doença e seus tratamentos, do que pessoas mais passivas. Os pacientes autoritários e agressivos são pacientes que tentam controlar tudo e todos, através de excessos de questionamentos, barganhas quanto ao tipo de tratamento e mudanças freqüentes nos horários das consultas. Já os pacientes passivos, demonstram aceitar mais facilmente as orientações médicas, porém, esse comportamento submisso pode esconder sentimentos de raiva, medo, ansiedade, tristeza e depressão.

Pollin (citado por Venâncio, 2004) descreve oito preocupações constantes na vida dos pacientes com doenças crônicas que ilustram, segundo a autora, os maiores problemas trazidos também pelas mulheres com câncer de mama. As questões abordadas são a perda do controle sobre a vida, mudanças na auto-imagem, medo da dependência, estigmas, medo do abandono, raiva, isolamento e morte. O medo da progressaõ da doença e da recidiva também são preocupações constantes.

Estudos epidemiológicos apontam o câncer de mama como uma patologia de incidência aumentada em mulheres em idade do ciclo reprodutivo, indicando um envolvimento dos hormônios reprodutivos femininos na sua etiologia, o que explicaria a raridade desse diagnóstico antes dos 25 anos de idade, como citado no capítulo 2 deste trabalho. Porém, sabe-se que essa faixa etária é caracterizada pela grande incidência de transtornos psiquiátricos, em especial, os quadros depressivos. Dessa forma, o diagnóstico de câncer, e a sobrecarga emocional que este representa, podem desencadear reações de ajustamento ou mesmo quadros afetivos, de ansiedade ou até mesmo psicoses. (Cantinelli et al., 2006).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Alamy, S. (2002). Psicologia Hospitalar: da violência no processo de adoecer. Acesso em 20/09/06. Disponível em https://www.atlaspsico.com.br/

Bergamasco, R.B. & Angelo, M. (2001). O sofrimento de descobrir-se com câncer de mama: como o diagnóstico é experenciado pela mulher. Revista Brasileira de Cancerologia. 47 (3), 277-282.

Cantinelli, F.S.; Camacho, R.S.; Smaletz, O.; Gonsales, B.K.; Graguittoni, E. & Rennó, J., Jr. (2006). A oncopsiquiatria no câncer de mama: considerações a respeito de questão do feminino [Versão eletrônica]. Revista de Psiquiatria Clínica. (33) 3. Acesso em 12/02/07. Disponível em https://www.hcnet.usp.br/ipg/revista/

Cunha, C.G. (2004). Apoio familiar: presença incondicional à mulher mastectomizada. Monografia Especialização Residência em Saúde da Família, Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral, Ceará. Acesso em 26/10/06. Disponível em https://www.sobral.ce.gov.br/saudedafamilia/

Maluf, M.F.M.; Jo Mori, L. & Barros, A.C.S.D. (2005). O impacto psicológico do câncer de mama. Revista Brasileira de Cancerologia. 51 (2), 149-154.

Melo, A.G.C. (2002). Câncer de mama: aspectos psicológicos e adaptação psicossocial. Acesso em 25/11/06. Disponível em https://www.cuidadospaliativos.com.br/

Miceli, A.V.P. Aspectos psicológicos do paciente com câncer. In E.L.R. Mello & C.E.R. Santos. (2006). Manual de cirurgia oncológica. São Paulo: Tecmedd Editora.

Rodrigues, C.; Kajiya, M. & Gazzi, O. (1991). O paciente com câncer: crenças e sentimentos sobre sua doença e o tratamento. Acta Oncologia Brasileira. 11 (1/2/3), 123-126.

Sampaio, A.C.P. (2006). Mulheres com câncer de mama: análise funcional do comportamento pós-mastectomia. Tese de Mestrado, Universidade Católica de Campinas. Acesso em 18.10.06. Disponível em https://dominiopublico.mec.gov/download/texto/cp000360.pdf

Sant’Anna, D.B. A mulher e o câncer na história. In Gimenez, M.G. (1997). A mulher e o câncer. São Paulo: Editorial Psy.

Seger, L. & Garcia, I. A psico-oncologia na odontologia: aspectos psicossociais do paciente com câncer. In Seger, L. e cols. (2002). Psicologia e odontologia: uma abordagem integradora (4. ed.). São Paulo: Editora Santos.

Venâncio, JL. (2004). A importância da atuação do psicólogo no tratamento de mulheres com câncer de mama. Revista Brasileira de Cancerologia. 50 (1), 55-63.