Mastectomia: Aspectos Psicológicos e Adaptação Psicossocial
Raquel Ayres de Almeida
A mastectomia é um dos métodos mais utilizados para o tratamento do câncer de mama. É uma cirurgia mutiladora que visa remover todo o tumor visível. Como conseqüência dessa técnica, podem ocorrer prejuízos de ordem física, emocional e social. Na ordem física podem ocorrer infecções e há limitação nos movimentos dos braços e ombros, limitando as atividades diárias; o emocional fica abalado, circundado de sentimentos negativos em relação à doença; no campo social, a mulher encontra dificuldade em decorrência do sentimento de vergonha, escondendo a mutilação. (Sampaio, 2006).
A forma como a mulher vai responder à mutilação é individual e pode estar relacionada a alguns fatores como idade, auto-admiração, estrutura de ego, estado emocional e situação sócio-econômica, como será abordado a seguir.
Repercussões Psicológicas
Os primeiros meses de reabilitação de uma mastectomia são caracterizados pelo movimento de reorganização para uma re-inserção no mundo individual, social e espacial, visto que a mutilação dela decorrente favorece o surgimento de muitas questões na vida das mulheres, especialmente aquelas relacionadas à imagem corporal. A forma como a mulher percebe e lida com essa nova imagem e como isso afeta sua existência, são pontos cruciais para um entendimento da nova dinâmica que a vida dessas mulheres assume. (Bervian & Girardon-Oerlini, 2006; Ferreira & Mamede, 2002).
No momento em que a mulher decide por fazer a cirurgia, observa-se uma busca por resolver rapidamente o seu problema, tendo dessa forma, um lado reconfortante. A mulher acredita estar colocando limites na enfermidade, e que, a remoção cirúrgica do tumor e as consequências do tratamento, trazem segurança no sentido de não ter de se preocupar com a doença. Porém, o alívio causado por essa etapa tem fim num curto período quando a mulher concientiza-se cognitivo e emocionalmente, iniciando-se um luto diante das consecutivas perdas. (Bergamasco & Angelo, 2001; Maluf, Jo Mori & Barros, 2005).
As principais preocupações que surgem no período da ocorrência da cirurgia são relacionadas à perda da feminilidade com comprometimento da sexualidade, desfiguramento, atração sexual e perda do parceiro, além da possível morte dos papéis sociais. (Arán et al., 1996; Messa, s.d.).
Muitas vezes as doenças com tratamentos mutiladores provocam impedimentos, paralisias, deficiências, além da interrupção na carreira, no cuidado da casa e dos filhos. Essas consequências podem ser vividas como morte quando essas atividades, que ficam prejudicadas, eram anteriormente valorizadas. (Messa, s.d.).
No período pós-operatório da mastectomia, a mulher pode vir a apresentar uma série de dificuldades ao reassumir a sua vida profissional, social, familiar e sexual, visto que essas mulheres, em geral, sentem dificuldade em lidar com o próprio corpo. Segundo pesquisa realizada por Duarte e Andrade (2002), o primeiro contato que as mulheres estabelecem com o seu corpo operado é diante do espelho. A percepção de que uma ou as duas mamas não estão mais presentes causa muito sofrimento. Há então, uma alteração na percepção do próprio corpo, que pode revelar uma insatisfação e não aceitação da perda da mama, gerando sentimentos de auto-depreciação. A vestimenta, segundo a pesquisa, desempenharia um importante papel durante o período pós-cirúrgico, uma vez que é por meio de alguma roupa que a mulher procura ocultar a cicatriz e a falta do seio.
Estudos relacionados às consequências desse tipo de tratamento demonstram que a presença da depressão após a cirurgia na mama é uma resposta emocional comum. Lasry (citado por Arán et al., 1996) demosntrou, através de sua pesquisa, que as pacientes submetidas à mastectomia radical possuem um elevado nível de depressão, duas vezes maior que numa população normal. O autor afirma que uma das causas mais freqüentes da depressão é a alteração física decorrente da cirurgia e suas repercussões na concepção do eu das pacientes. Dentre as questões mais freqüentemente abordadas pelo autor está o medo de não ser mais atraente sexualmente e a sensação de diminuição da feminilidade.
Braga (citado por Vianna, 2004) realizou um estudo para avaliar a presença de depressão em mulheres mastectomizadas. Os resultados demonstraram a presença de depressão em 35% das pacientes após a mastectomia. Algumas variáveis parecem ter relação significativa com a depressão. São elas: faixa etária, situação conjugal, migração, antecedentes pessoais, antecedentes familiares de doença mental, uso de quimioterapia, complicações pós-mastectomia, atividade profissional, contribuição com a renda familiar, atividade sexual, conhecimento do diagnóstico da doença, prática religiosa e percepção de perda. É importante ressaltar que todas as perdas associadas à mastectomia geram sofrimento psicológico importante, levando a comportamento de esquiva e isolamento social.
Arán et al. (1996), a partir de suas experiências no atendimento a mulheres mastectomizadas, perceberam que
as pessoas que se submetem a uma cirurgia mutiladora, por isso traumática, desencadeiam um processo psíquico de reviver fatos importantes e marcantes vividos anteriormente também como trauma. Por exemplo, perdas significativas, morte de pessoas próximas, algumas doenças, etc. Isto acontece como uma repetição de vivência de dor, pela própria necessidade de buscar um ‘sentido’ para o sofrimento atual. (p.638).
Uma pesquisa realizada por Polivry (citado por Prado, 2002) revelou que, nos seis primeiros dias após a mastectomia, a mulher está mais preocupada com a sobrevivência e não com a aparência física, a qual a atenção foi deslocada posteriormente. Dessa forma, nesse período não haveria mudança evidente na imagem corporal e auto-estima. Já no preíodo de três meses após a cirurgia, as mulheres relataram mudança significativa do foco de atenção do câncer de mama para a preocupação com a reabilitação física, prótese e reingresso em seu meio social.
O processo de reabilitação pelo qual a mulher passa após a cirurgia, envolvendo reaprendizagem de habilidades físicas como também habilidades para redescobrir seu papel dentro da família, comunidade e sociedade, é visto por Prado (2002) como um processo de enfrentamento, que pode ser definido como um conjunto de esforços das quais a pessoa se utiliza para lidar com um determinado problema. Segundo a autora, esse enfrentamento é contextual visto que, as limitações, os fatores pessoais, as exigências situacionais e os recursos que a pessoa dispõe, influenciam na seleção das estratégias de enfrentamento e no significado que a pessoa atribui ao contexto da doença.
Um dos principais fatores que influenciam na imagem corporal da mulher é caracterizado pelos parâmetros que a sociedade impõe para a identificação do corpo perfeito, do corpo feminino. A sociedade valoriza o corpo perfeito como essencial na atração sexual, e isso pode ser observado nos meios de comunicação, no qual são utlizados corpos esculturais para vender os mais variados produtos, além do aumento significativo do número de cirurgias plásticas para implante de silicone.
Nesse aspecto, a mastectomia pode provocar conseqüências importantes na vida da mulher em razão das modificações estéticas decorrentes, e assim, desencadear novas reações relacionadas ao próprio corpo e às demais pessoas. (Prado, 2002). A retirada da mama, órgão de identidade feminina, modifica a identidade da mulher nos aspectos sociais e sexuais, refletindo no relacionamento marital.
Relacionamento Familiar e Funcionamento Social
A mastectomia causa um impacto que afeta não apenas a mulher, mas estende-se ao seu âmbito familiar, contexto social e grupo de amigos. Esse impacto é potencializado pelos tratamentos indicados associados à cirurgia. A situação da doença e da mastectomia afeta os relacionamentos interpessoais na família, visto que diante de todo o processo, as alterações de ordem física, emocional e social na vida da mulher se estendem aos familiares. (Melo, Silva & Fernandes, 2005)
O impacto na família não se resume à reorganização necessária para atender as necessidades cotidianas e de cuidado à saúde da mulher, afeta também os relacionamentos. Diante do diagnóstico de uma doença crônica, a família enfrenta uma série de tensões excessivas que interferem nas relações dentro da unidade familiar. (op cit.).
Uma situação de crise familiar, como é o caso de uma doença como o câncer, pode alterar os modos de relação de interdependência dos sujeitos envolvidos, podendo tornar os conflitos maiores e de resolução mais difícil. As mudanças no cotidiano das pessoas podem promover um estado de equilíbrio ou desequilíbrio, dependendo da compreensão ou entendimento das pessoas acerca da situação, além dos meios ou artifícios de ajuda e auxílio disponíveis utilizados pelos envolvidos. Dessa forma, o processo de descoberta e tratamento da doença, embora cause um impacto inicial, pode representar ou não conflito na família. Na pesquisa de Melo, Silva e Fernandes (2005) por exemplo, foi verificado que esse processo representou um elo de união para a família, proporcionando um melhor enfrentamento da situação.
Os autores relataram ainda que a família, ponto de apoio fundamental para o crescimento interior da pessoa, é uma força positiva para as tomadas de decisões e transformação de conceitos e comportamentos. O ajustamento familiar, de forma íntima e harmoniosa, e as condutas éticas poderiam contribuir para posicionamentos sociais e culturais no combate à comportamentos inadequados. Outro dado importante observado na pesquisa é a contribuição do oferecimento de cuidados e atenção à mulher para uma recuperação mais rápida e menos traumática. (op cit.).
Mesmo diante dos relatos constatando que o câncer de mama e a subseqüente mastectomia muitas vezes representam um fator articulador na dinâmica familiar, integrando os membros entre si e mobilizando toda a família em torno do problema, os autores não descartam a hipótese de uma degradação familiar. O relacionamento, segundo eles, seria facilitado apenas quando há uma comunicação aberta e flexível, capacidade de articulação de expressões e sensibilidade para perceber comportamentos verbais e não-verbais. Dessa forma, a reação das pessoas estaria associada ao nível de relação da família anteriormente à doença, ou seja, a doença vai se constituir num fator contribuinte às relações interpessoais existentes no contexto familiar, tornando-as mais fortes ou mais frágeis. (op cit.).
De acordo com Bervian e Girardon-Perlini (2006), a família geralmente não está preparada para enfrentar o adoecimento e para suportar o sofrimento de seu familiar, contribuindo para que este processo se torne mais sofrido para a mulher. Por outro lado, a reação dos parceiros diante da mastectomia depende da reação da mulher: aceitando a amputação da mama, influencia o marido a também aceitar o fato, melhorando o relacionamento.
Entendendo a família como um sistema interligado, cada um dos seus membros tem influência sobre o outro, sendo que o adoecimento de um dos integrantes, neste caso mãe/esposa, tem reflexos no comportamento, no estado emocional e até biológico dos demais. O câncer de mama e a mastectomia causam uma situação de desorganização entre os membros, sendo que com o passar do tempo a situação vai sendo processada, enfrentada e elaborada, possibilitando à família reorganizar-se com base nas novas experiências e nos velhos laços que os uniam. O afeto familiar permite à mulher manter uma certa estabilidade para lutar contra a doença, conseguindo suprir suas carências emocionais e alcançando uma melhor aceitação e orientação comportamental. (Bervian & Girardon-Perlini, 2006).
Nesse mesmo sentido, Cunha (2004) afirma que
a família/cuidador exerce um papel primordial na vida destas mulheres, oferecendo apoio e ajudando-as a suportarem melhor o diagnóstico da doença e superarem os transtornos advindos deste, como a perda da mama, garantindo desta forma uma vida mais ajustada, menos estressante e com perspectivas de cura. (p.10).
Para isso, segundo a autora, o cuidador deve ser capaz de entender as necessidades do outro e de responder a elas de forma adequada. Diante de uma mutilação e modificação da imagem corporal, o cuidador deve estar presente auxiliando, orientando e até ensinando mudanças na prática diária incorporando novas rotinas, novos cuidados e novos desafios, visto que a mudança traz consigo dificuldades que nem sempre são fáceis de superar. (op cit.).
Cunha não deixa de salientar o significado particular que um acontecimento vital como o câncer de mama e a mutilação representam. Segundo a autora, esse momento afeta a vida familiar como um todo e é capaz de produzir modificações na estrutura e no funcionamento da família, implicando em ajustamentos e mecanismos de enfrentamento a fim de incorporar uma nova situação. (op cit.).
O relacionamento marital, quando existente, é considerado por muitos autores como fundamental para a reestruturação da integridade da mulher, já que por conseqüência da mutilação proveniente da mastectomia, a mulher tem sua auto-imagem alterada , interferindo na sua autoconfiança e auto-estima. Dessa forma, nesse momento em que ela se sente diminuída na sua feminilidade, atratividade e sexualidade, a presença do companheiro se torna imprescindível para esta reestruturação. (Arán et al., 1996).
Segal (citado por Paula, s.d.) observa que os casais que tentam vencer a dor e o sofrimento sozinhos, isolados um do outro e não compartilham a tristeza, tendem a considerar o processo da doença e do tratamento mais difícil. Cunha (2004) considera que a falta de apoio do marido nesses momentos de doença é considerada como forte agressão à mulher, afetando sua auto-estima, num momento em que necessita de ser aceita, de compreensão e de carinho.
Sabe-se que o câncer de mama e a conseqüente mutilação causada pela cirurgia não afetam apenas as relações familiares: as relações sociais são profundamente afetadas, já que o câncer ainda possui uma conotação de contágio e terminalidade, causando preconceito por parte das pessoas. Aliado a esse aspecto, o constrangimento associado à doença estigmatizante, leva a mulher a se afastar do seu convívio social. (Melo, Silva & Fernandes, 2005).
Essa inadequação dos relacionamentos sociais da mulher mastectomizada no período de readaptação, poderá dificultar o seu ajustamento social, dificultando assim, a sua reabilitação. (op cit.). A morte dos papéis sociais que se dá pela mudança da rotina vivida anteriormente gera uma necessidade constante de adaptação ao tratamento e ao novo estilo de vida, limitado em decorrência da cirurgia.
Duarte e Andrade (2002) observaram que as dificuldades encontradas na retomada da vida social após a mastectomia é caracterizada por uma série de fantasias e medos, despertados pelo contato com o mundo externo, implicando numa mudança de comportamento em que as mulheres mais sociáveis tornaram-se mais reservadas. Pode-se observar na pesquisa dos autores que nem sempre o mundo externo ou as pessoas do convício social reagem ou dão alguma impressão que leve as mulheres mastectomizadas a se afastarem. Muitas vezes essas mulheres fantasiam em cima do comportamento das pessoas, crendo que sua percepção é verídica.
Uma pesquisa realizada por Sales et al. (2001) quanto ao funcionamento social das pacientes, demonstrou que o relacionamento familiar e social não mudou para 60% das mulheres após o diagnóstico e tratamento. As demais (40%) relataram mudanças tanto positivas quanto negativas. Dentre as mudanças negativas encontram-se dificuldades da própria paciente, como depressão, isolamento, vergonha e diminuição do prazer sexual, e também dificuldades em relação ao comportamento das outras pessoas, como distanciamento, curiosidade e discriminação. Já como mudanças positivas, foi relatado com unanimidade, a atenção recebida, que se tornou mais freqüente.
Melo, Silva e Fernandes (2005) utilizam a idéia de autoconceito associado ao câncer de mama, no sentido de que, o valor que a mulher atibui a si mesma influencia o significado de sentir-se com câncer, que influencia por conseguinte, a forma de dar e receber afeto das outras pessoas. Através do processo de autoconceito, a pessoa desenvolve a capacidade para o enfrentamento de problemas.
Outra questão muito discutida por autores é que as cirurgias mutiladoras também podem afetar a percepção do próprio corpo, implicando em mudanças na imagem corporal, podendo vir a afetar a sexualidade das pacientes submetidas à mastectomia, como será abordado a seguir.
Imagem corporal e sexualidade
A imagem corporal pode ser compreendida como a representação mental que a pessoa tem do próprio corpo, estando diretamente vinculada à percepção, compondo-se de aspectos fisiológicos, psico-afetivos, sócio-culturais, cognitivos e relacionais. Esse imagem é construída ao longo de toda vivência, a partir de experiências com o mundo exterior. (Duarte & Andrade, 2002; Huguet, 2005). Segundo Messa (s.d.) a imagem corporal é um processo peculiar de cada ser humano e aponta a relação do indivíduo com o mundo, através de como o corpo é sentido e percebido. Trata-se de um processo de constante dinamismo e mutação, e influencia as relações da pessoa consigo própria, com o ambiente e seus semelhantes.
Schilder (citado por Prado, 2002) afirma que a imagem corporal não existe isoladamente e que está diretamente relacionada à visão da sociedade em que a pessoa está inserida. A constituição da imagem do corpo, segundo a autora, é realizada através da incorporação da parte do corpo de outras pessoas e, desta forma, ao longo da vida a pessoa cria, destrói e reorganiza a sua imagem corporal a partir da imitação e observação de outras pessoas.
A perda da mama, parte do corpo fundamental para a identidade feminina, resulta na alteração negativa da imagem corporal. A retirada desse órgão representa uma limitação estética e funcional, que provoca uma imediata repercussão física e psíquica, constituindo um evento traumático para a maioria das mulheres, trazendo prejuízo em sua qualidade de vida, na satisfação sexual e recreativa. Além da cirurgia, o tratamento quimioterápico produz efeitos colaterais que são indicadores visíveis da doença, como alopécia ou perda do cabelo e ganho de peso. A mulher pode, então, se sentir estranha, manifestar sentimentos de vergonha, embaraço, ter dificuldade de se relacionar com o marido, se sentindo sexualmente repulsiva, passando a evitar contatos sexuais. Um medo muito freqüente entre as mulheres mastectomizadas é o de não ser mais atraente sexualmente. Esses conflitos são resolvidos quando a mulher é capaz de reconhecer-se e aceitar-se em sua nova imagem. Para isso, é fundamental viver um processo de luto para elaborar essa perda. (Arán et al., 1996; Huguet, 2005).
Lim (citado por Duarte & Andrade, 2002) observou em um estudo realizado em Cingapura com 20 mulheres mastectomizadas que, dentre a totalidade das participantes, 9 apresentaram problemas no relacionamento conjugal, como a diminuição na freqüência de relações sexuais. Houve também mudanças no comportamento sexual, em que as mulheres evitavam se despir diante dos parceiros e serem tocadas pelos mesmos. A utilização de camisas durante as relações sexuais também foram relatadas pelas pacientes. Algumas mulheres relataram ainda, que ao retomar a sua vida sexual, sentiram muita diferença e tinham medo do marido não aceitá-las mais.
Contudo o autor afirma que a mastectomia não é a única causa dessa sensação de desconforto relatada pelas pacientes. Segundo Lim há outros fatores, antecedentes ao diagnóstico, que podem influenciar e intensificar o quadro de desconforto para a mulher acometida, como problemas financeiros, sociais, conjugais, idade da paciente, sua forma de lidar com situações adversas e também a falta de informação sobre a doença e suas conseqüências. (op cit.).
Dentre as causas físicas associadas à evitação do intercurso sexual encontram-se a secura e atrofia vaiginais, fogachos e declínio da libido, que podem estar associados ao tratamento antiestrogênico. Porém, o tratamento desses sintomas melhora o desempenho sexual. (op cit.).
Duarte e Andrade (2002) verificaram que a reciprocidade da relação sexual depende da mulher, ou seja, se ela torna-se mais receptiva, o companheiro tende a aproximar-se mais dela e o relacionamento torna-se melhor. Segundo Rossi e Santos (citados por Sampaio, 2006) o relacionamento sexual depende muito de como era antes da doença. Aquelas mulheres com bom relacionamento com o parceiro tendem a continuar da mesma forma, mas aquelas que o relacionamento não era bom, relatam piora.
Huguet (2005) confirma esse raciocínio. Segundo a autora, mulheres com melhores relacionamentos reportam nos estudos menor índice de disfunção sexual e maior satisfação após o tratamento, quando comparadas àquelas que têm relacionamentos insatisfatórios. Dessa forma, a qualidade dos relacionamentos afetivos das mulheres com seus parceiros, antes do diagnóstico da doença, parece ser um fator de forte influência na qualidade de vida após o diagnóstico e mutilação. Segundo Padua (2006), muitos relacionamentos conjugais se desfazem em conseqüência da doença, pela falta de um diálogo aberto e satisfatório entre o casal. Assim, relacionamentos considerados frágeis antes da doença dificilmente sobrevivem após um evento traumático.
A qualidade do relacionamento existente entre o casal será responsável não só pelo alcance e a manutenção da estabilidade emocional da mulher, mas também pelo retorno do interesse sexual numa fase mais tranqüila da doença. Assim, após a cirurgia e com a estabilidade da doença, o casal volta a interessar-se pela vida sexual e começa a se preocupar com o relacionamento sexual de ambos. Buscam maior intimidade, trocas de carícias, prazer e novas formas de adaptação às condições atuais da mulher a fim de tornar o relacionamento sexual mais agradável, confortável e prazeroso. (Padua, 2006).
Um estudo realizado na Escola de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto destaca que os casais retornam à atividade sexual em menos de um ano e que o homem além de revelar-se participativo, não tem alteração quanto ao seu desejo sexual, mesmo após a retirada da mama de sua parceira. No momento de intimidade fazem sexo praticando nudez e costumam tocar a mama operada. O resultado desta pesquisa concluiu que o câncer por si só não altera a sexualidade do casal. Tudo depende do relacionamento pré-existente entre ambos. (op cit.).
Qualidade de vida
A organização Mundial de Saúde (OMS) define qualidade de vida como a “percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. (Sales et al., 2001, p.264). A qualidade de vida pode ser avaliada do ponto de vista do paciente, referindo-se à apreciação dos pacientes e satisfação com o seu nível funcional, comparado com o que ele percebe como sendo possível ou ideal. (Cella e Cherin, citados por Sales et al., 2001). Dessa forma, a avaliação da qualidade de vida global inclui os funcionamentos físico, psicológico, social, sexual e espiritual, incluindo ainda nível de independência, ambiente e crenças pessoais. (Sales et al, 2001; Silva et al., 2002).
Vários estudos têm avaliado a qualidade de vida de mulheres tratadas de câncer de mama. Dorval et al. avaliaram a qualidade de vida de 227 mulheres com câncer de mama e constataram que os problemas detectados foram os relacionados ao membro superior e à satisfação sexual. Também Ganz et al. encontraram diferença no funcionamento sexual de mulheres jovens com a neoplasia que receberam quimioterapia e que tiveram menopausa precoce em decorrência deste tratamento. (citados por Sales et al., 2001).
Há ainda outros autores que pesquisaram o respectivo grupo de mulheres. Ferrel et al. (op cit.), em uma pesquisa qualitativa, observaram que o câncer de mama teve um grande impacto no papel social das mulheres na família, manifestando-se como o medo da ocorrência do câncer nas filhas. No trabalho, a manutenção do mesmo e o impacto financeiro foram os principais sintomas, e, na sexualidade, foram citados a perda da mama, sintomas da menopausa ou outros do aparelho reprodutivo.
Miceli (2006) afirma que a qualidade de vida relacionada à saúde é um conceito centrado na avaliação subjetiva do paciente, porém ligado ao impacto da saúde sobre a capacidade de o indivíduo viver plenamente. Dessa forma, depende de percepções, crenças, sentimentos e expectativas individuais, variando ao longo do tempo, de acordo com as mudanças ocorridas com a pessoa e com o que está à sua volta, envolvendo as dimensões física, social e psicológica, interligadas entre si.
Assim a autora as classifica:
O domínio físico envolve dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, e diz respeito à percepção da paciente de sua capacidade de lidar com suas atividades e tarefas diárias que requerem gasto de energia. O domínio psicológico abrange sentimentos positivos e negativos, cognição, memória, concentração, auto-estima, imagem corporal e aparência, e envolve aspectos do bem-estar emocional e mental, como depressão, ansiedade, medo, raiva, felicidade e tranqüilidade. O domínio social engloba as relaçoes sociais, pessoais e a atividade sexual, e diz respeito à capacidade de integração com membros da família, vizinhança, trabalho e outras comunidades. (op cit., p.1140)
A OMS cita ainda dois outros domínios: o nível de independência, avaliado por meio de mobilidade, atividades rotineiras, dependência de medicamentos ou tratamentos e capacidade de trabalho; e o nível do ambiente, caracterizado pela segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais. A autora resume que a qualidade de vida seria o grau de satisfação do indivíduo com sua vida familiar, amorosa, social e ambiental, além de sua própria estética existencial. (op cit.).
Na pesquisa realizada por Sales et al. (2001) com 50 mulheres com câncer de mama que passaram por cirurgia, pode-se observar alguns aspectos da qualidade de vida destas mulheres. A avaliação da atividade de lazer indicou que o tratamento não a modificou para mais da metade das mulheres (52%); já para 16% houve um aumento do lazer; 14% reduziram as atividades, enquanto 18% deixaram de realizar qualquer atividade. Os motivos pelos quais as mulheres reduziram ou deixaram suas atividades de lazer foram dor, exames freqüentes, preocupação, não sentir-se bem ou mesmo a idade. Em relação ao trabalho, 98% das mulheres realizavam atividades domésticas antes do tratamento, sendo que 50% destas reduzizam ou adaptaram estas atividades após o tratamento. De 36% que exerciam atividade remunerada antes do tratamento, 22% permaneceram ativas enquanto que as demais reduziram ou deixaram a referida atividade. As razões apontadas para a diminuição ou término das atividades foram dor, orientação de não pegar peso, menor agilidade, discriminação, inchaço no braço, maior cuidado consigo mesma, idade, cirurgia e preocupação.
Ainda na pesquisa realizada pelos autores (op cit.), 22% das pacientes revelaram influência dos problemas físicos decorrentes da doença e do tratamento na vida pessoal, social e familiar. As consequências relatadas foram introversão, dependência dos outros, nervosismo, choque das pessoas, medo, vergonha de se vestir, distanciamento das pessoas e problemas com alimentação e sono. Em relação à obtenção de apoio social e familiar, quase todas as mulheres (96%) contaram com o apoio de alguns ou todos os membros da família para o enfrentamento da doença e do tratamento. Os filhos foram os mais reconhecidos como fontes de apoio (34%), enquanto os amigos foram os menos reconhecidos (2%). As formas de apoio citadas foram conforto, paciência e atenção dados a elas, ajuda em resolver problemas práticos, acompanhar o tratamento e decisões, incentivar a realização do tratamento e até por rezarem por elas, além de visitas e telefonemas.
Na avaliação da própria qualidade de vida após o tratamento, 82% dessas mulheres consideraram boa ou ótima, atribuindo principalmente à saúde pessoal, fé em Deus, bom relacionamento familiar e social e mais valor à vida. As demais (18%) avaliaram sua qualidade de vida como ruim ou regular, atribuindo a isso, o medo da recidiva, limitação das atividades, idade e problemas financeiros. (op cit.).
Dessa forma, os dados da pesquisa de Sales et al. (2001) mostram que algumas pacientes perceberam mudanças tanto positivas quanto negativas nos relacionamentos sociais e familiares, lazer e trabalho, especialmente no doméstico, de natureza eminentemente braçal. O apoio social e familiar é buscado e obtido pela maioria das pacientes através de familiares e amigos, mas nem sempre de todos. A maioria avalia a qualidade de vida positivamente. Os autores observaram ainda que o apoio social e familiar, assim como de todos os profissionais de saúde, parece contribuir para um bom funcionamento social e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida.
Segundo Prado (2002) a possibilidade de retornar ao mercado de trabalho faz parte dos planos das mulheres que trabalhavam antes da cirurgia. Esse retorno simboliza uma tentativa de retomar o quotidiano e a autonomia, sentindo-se produtiva e independente. Ainda segundo a autora, para viver com qualidade, a mulher precisa aprender a viver e a conviver com as limitações e seqüelas que o câncer promove.
Netto (1997) cita os tratamentos quimioterápico, radioterápico e hormonal como responsáveis por efeitos colaterais que podem marcar definitivamente a vida da paciente, interferindo diretamente na qualidade de vida destas. Esses efeitos são responsáveis por náuseas, vômitos, alopécia, alterações sexuais e reprodutivas, podendo ocasionar menopausa prematura. Associados a esses efeitos, há ainda a vergonha do aspecto físico, perda da privacidade, alterações na libido, criando obstáculos para a efetivação da vida afetiva e sexual ativa.
Assim, percebe-se que, compreender a doença e seus siginificados faz com que a mulher seja capaz de refletir sobre o papel que exerce na vida diária da família e sobre as pessoas do seu convívio, bem como descobrir maneiras de ter uma melhor qualidade de vida.
Silva (citado por Cunha, 2004) cita ainda como uma esperança na melhoria da qualidade de vida dessas mulheres a reconstrução mamária, visto que quando a deformidade é reduzida, diminui o trauma.
A reconstrução da mama
Reconstruir a mama pode representar a preservação da auto-imagem da mulher, melhor qualidade de vida, e portanto, um processo de reabilitação menos traumático. Inúmeros recursos de cirurgia plástica estão à disposição para amenizar os sentimentos pela alteração física provocada pela mastectomia. (Messa, s.d.; Prado, 2002).
A reconstrução pode ser realizada logo após a cirurgia ou em outro momento, de acordo com a indicação médica. Há várias técnicas que podem ser empregadas, sendo necessário uma escolha apropriada dependendo de cada caso. Pode ser um implante artificial de silicone, solução salina ou reconstituição com retalhos dos músculos abdominal ou grande dorsal. A reabilitação tem como principal objetivo a melhoria da qualidade de vida da paciente, atendendo às suas necessidades específicas, com medidas que visem a restauração anatômica e funcional, além do suporte físico e emocional. (Prado, 2002).
Para tal, a paciente deve estar informada sobre os riscos e benefícios obtidos, além de opinar e participar do processo de decisão. A cirurgia de reconstrução deve ser buscado por motivação pessoal, ou seja, para sua satisfação própria, e não para agradar ou satisfazer os outros. (Messa, s.d.). Segundo Melo (2002) é incerta a porcentagem de mulheres mastectomizadas que têm a intenção de procurar a reconstrução, mas este método na pós-mastectomia continua a ser uma importante opção estética e de reabilitação. A maioria das mulheres que procuraram a reconstrução sentiram-se felizes com os resultados estéticos, superando suas expectativas. (op cit.).
Já pesquisas com mulheres submetidas à reconstrução imediata têm demonstrado que além da satisfação estética devido aos resultados cirúrgicos, o índice de morbidade psicológica é significativamente inferior em relação à mastectomia somente. As pacientes então submetidas à reconstrução imediata demonstraram-se menos deprimidas e sofreram menor impacto quanto a sua feminilidade, auto-estima e atratividade sexual, em relação as outras não submetidas a reconstrução e as que optaram por reconstrução tardia. (Rowland & Massie, citados por Melo, 2002).
Um estudo realizado por Al-Ghazal et al. (citado por Maluf et al., 2005) constatou que 68% das pacientes submetidas à reconstrução imediata disseram-se muito satisfeitas com o resultado estético da cirurgia, e quando comparadas com grupo de reconstrução tardia, notou-se no segundo grupo, um grande nível de sofrimento psíquico e rebaixamento das funções psíquicas aliados a uma baixa auto-imagem. Os estudos mostram que a intervenção imediata possui vantagens relacionadas a um melhor resultado estético e custo benefício para as mulheres que a realizaram imediatamente após a cirurgia.
Dessa forma, parece que a reconstrução mamária melhora a auto-imagem, o senso de feminilidade e o relacionamento sexual. As mulheres que passaram pela cirurgia reparadora tendem a expressar atitudes positivas e satisfação com a aparência, além de menor temor da recidiva com a remoção da cicatriz. (Vianna, 2004).
Assim, atualmente, a reconstrução mamária é um recurso indispensável na reabilitação de pacientes que necessitam realizar a mastectomia, uma vez que auxilia quanto aos aspectos aqui relacionados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Arán, M.R.; Zahar, S.; Delgado, P.G.G.; Souza, C.M.; Cabral, C.P.S. & Viegas, M. (1996). Representações de pacientes mastectomizadas sobre doença e mutilação e seu impacto no diagnóstico precoce do câncer de mama. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. 45 (11), 633-639.
Bergamasco, R.B. & Angelo, M. (2001). O sofrimento de descobrir-se com câncer de mama: como o diagnóstico é experenciado pela mulher. Revista Brasileira de Cancerologia. 47 (3), 277-282.
Bervian, P.I. & Girardon-Perlini, N.M.O. (2006). A família (com)vivendo com a mulher/mãe após a mastectomia. Revista Brasileira de Cancerologia. 52 (2), 121-128.
Cunha, C.G. (2004). Apoio familiar: presença incondicional à mulher mastectomizada. Monografia Especialização Residência em Saúde da Família, Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral, Ceará. Acesso em 26/10/06. Disponível em https://www.sobral.ce.gov.br/saudedafamilia/
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