Transtornos Mentais em Mulheres com Câncer de Mama
Raquel Ayres de Almeida
A tristeza e o pesar são reações normais à crise que se enfrenta ao descobrir um diagnóstico de câncer, e, portanto, todos os pacientes passam por esse sofrimento. Essas pessoas passam por vários níveis de estresse e angústia emocional diante de temas como o medo da morte, a interrupção de planos futuros, as mudanças físicas e psíquicas, as mudanças no papel social e do estilo de vida, bem como preocupações financeiras.
Entretanto, apesar da tristeza e do pesar que aparecem de forma constante, nem todos os pacientes com câncer sofrem de depressão. A capacidade de elaborar o adoecer depende do nível de ajustamento emocional de cada paciente, do momento que está passando em sua vida com planejamentos futuros, da presença de parentes e amigos que apóiem emocionalmente, e da doença em si, incluindo seus sintomas e presença ou não de dor, o sítio do câncer, o tratamento requerido e o prognóstico. A sobrecarga emocional que o diagnóstico do câncer de mama representa pode desencadear reações de ajustamento, quadros afetivos, ansiedade e psicoses. (Cantinelli et al., 2006; Citero, Andreoli, Martins & Lourenço, 2001).
Um fator muito importante no tratamento desta neoplasia é saber reconhecer quando os pacientes necessitam de tratamento para algum transtorno psiquiátrico, visto que, em serviços oncológicos, a prevalência de quadros psiquiátricos chega a 47% dos pacientes internados, e, o não tratamento desses quadros implica em piora do paciente. (Ballone, 2005b; op cit., 2005c; Cítero, 1999).
Segundo pesquisa realizada por Hardman e Maguire (citados em Citero et al., 2001), foi encontrada associação entre o quadro psiquiátrico desenvolvido e o tipo de câncer ou tratamento a que o paciente foi submetido. Neste caso, a mastectomia, a quimioterapia e a colostomia trazem alta prevalência de transtorno psiquiátrico. No estudo de Derogatis (op cit.) realizado com 215 pacientes internados e ambulatoriais de 3 centros oncológicos, 47% desta população apresentaram quadros psicopatológicos, dentre os quais, 85% têm quadro de ansiedade e/ou depressão, sendo 68% ansiedade ou depressão reativa (quadros de ajustamento), 13% depressão maior, 8% quadro cérebro-orgânico, 7% transtorno de personalidade e 4 % transtorno de ansiedade pré-existente.
Citero (1999), em sua pesquisa no Hospital do Câncer A.C. Camargo, constatou que, dentre os pacientes atendidos através de pedidos de interconsultas psiquiátricas para avaliação, 60% receberam algum diagnóstico de transtorno psiquiátrico, sendo 31% transtorno depressivo, 17% transtorno somatoforme, 7% transtorno cérebro-orgânico. Desses pacientes, 45% foram medicados, 23% necessitaram de intervenção familiar e 19% receberam atendimento psicoterápico breve durante a internação.
A alta prevalência de transtornos psiquiátricos em pacientes com câncer é esperada, visto que esses pacientes convivem com a dor, o desfiguramento, a perda da função sexual, a dependência, o isolamento, a separação e a morte, além dos efeitos colaterais da quimio e radioterapia.
Segundo Massie e Holland (op cit.) o paciente oncológico com maior risco para depressão apresenta história anterior de transtorno afetivo ou alcoolismo, câncer em estágio avançado, menor controle da dor, ou faz uso de substâncias que propiciam a depressão.
Fráguas Jr. e Alves (2002) afirmam que a depressão associada a doenças clínicas é, em geral, subdiagnosticada principalmente pela dificuldade em se identificar os sintomas depressivos, visto que alguns destes sintomas, como insônia, diminuição da concentração, inapetência, emagrecimento e fraqueza são encontrados em outras doenças não psiquiátricas e, portanto, podem ser atribuídos exclusivamente a estas. Contudo, segundo Massie e Holland (citados em Citero et al., 2001), entre os sintomas somáticos da depressão que se misturam com os sintomas da própria doença oncológica, o único que pode expressar o quadro da depressão é a insônia, por ser o único que não se justifica pelo câncer.
Estes autores ainda (2002) chamam atenção para a necessidade de um diagnóstico precoce e tratamento, uma vez que a depressão acarreta, além do comprometimento da qualidade de vida, aumento da morbidade e mortalidade decorrentes da condição médica, aumento do tempo de internação, aumento do risco de taquicardia ventricular, diminuição da adesão ao tratamento e à reabilitação.
Outro fator psicológico muito comum entre os pacientes com câncer é o transtorno de ajustamento, atingindo 25% a 30% dos pacientes. (Venâncio, 2004). Os transtornos de ajustamento são estados psicológicos intermediários entre a patologia psiquiátrica e uma reação normal sob estresse, e são caracterizados, principalmente, pelo desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentais significativos em resposta a um ou mais estressores psicossociais identificáveis. O sofrimento é acentuado, excedendo o que seria esperado, dada a natureza do estressor, e há um prejuízo significativo no funcionamento social ou profissional. (American Psychiatric Association, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2003).
Em relação à ansiedade, seu grau é extremamente variável em pacientes com câncer, podendo aumentar segundo a evolução da doença ou conforme a agressividade do tratamento oncológico. Os pacientes podem começar a experimentar ansiedade moderada ou severa enquanto esperam os resultados dos exames diagnósticos, ou enquanto recebem o tratamento, podendo aumentar a possibilidade de sofrer mais dor, bem como uma série de outros sintomas, desde angústia até as náuseas e vômitos agravados pelas emoções. Além de reduzir gravemente a qualidade de vida, a ansiedade pode favorecer a morte prematura do paciente. (Ballone, 2005a; op cit., 2005b).
Pacientes já possuidores de transtorno específico de ansiedade antes de adoecerem têm mais probabilidade de recorrência do quadro. Outros fatores que podem aumentar a probabilidade do transtorno são: concomitância de quadros dolorosos intensos, concomitância de limitações funcionais ou de carência de apoio social e consiência do avanço da doença. Certos fatores demográficos e sociais também parecem influir no grau da ansiedade do paciente oncológico, como a feminilidade, idade precoce, problemas de relacionamentos familiares e/ou com amigos e médicos. (op cit.).
As alterações psicológicas por que passam as mulheres podem, ainda, ser demonstradas pelos conflitos relacionados aos mecanismos de defesa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
American Psychiatric Association. (2003). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (trad. C. Dornelles, 4. ed. rev.). Porto Alegre: Artmed. (Publicação original 2000).
Ballone, G.J. (2005a). Ansiedade no paciente com câncer. Acesso em 23/09/06. Disponível em https://www.psiqweb.med.br/
Ballone, G.J. (2005b). Câncer e Emoção. Acesso em 23/09/06. Disponível em https://www.psiqweb.med.br/
Ballone, G.J. (2005c). Depressão e Câncer. Acesso em 23/09/06. Disponível em https://www.psiqweb.med.br/
Cantinelli, F.S.; Camacho, R.S.; Smaletz, O.; Gonsales, B.K.; Graguittoni, E. & Rennó, J., Jr. (2006). A oncopsiquiatria no câncer de mama: considerações a respeito de questão do feminino [Versão eletrônica]. Revista de Psiquiatria Clínica. (33) 3. Acesso em 12/02/07. Disponível em https://www.hcnet.usp.br/ipg/revista/
Cítero, V.A. (1999). Descrição e avaliação da implantação do serviço de interconsulta psiquiátrica no Centro de Tratamento e Pesquisa Hospital do Câncer A.C. Camargo. Tese de Mestrado, Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. Acesso em 18/03/07. Disponível em https://www.unifesp.br/dpsiq/posgrad/teses.htm/
Citero, V.A.; Andreoli, S.B.; Martins, L.A.N. & Lourenço, M.T. (2001). Interconsulta psiquiátrica e oncologia: interface em revisão. Acesso em 18/03/07. Disponível em https://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/especial01.htm
Fráguas Jr., R. & Alves, T.C.T.F. (2002). Depressão no hospital geral: estudo de 136 casos [Versão eletrônica]. Revista da Associação Médica Brasileira. 48 (3). Acesso em 18/03/07. Disponível em https://www.scielo.br/
Venâncio, JL. (2004). A importância da atuação do psicólogo no tratamento de mulheres com câncer de mama. Revista Brasileira de Cancerologia. 50 (1), 55-63.