Psicologia Hospitalar

19/06/2010 19:27

 

A PSICOLOGIA NO HOSPITAL

 

 Raquel Ayres de Almeida

 

“Tão importante quanto conhecer a doença que o homem tem,
é conhecer o homem que tem a doença”.
William Osler

 

 

Apesar dos grandes avanços da alta tecnologia médica nos campos da cura e do diagnóstico, a população ainda se sente insegura quando se encontra diante do adoecimento e da hospitalização. Os médicos cada vez mais especializados e as técnicas cada vez mais avançadas, fazem com que o profissional não tenha mais tempo para ouvir seu paciente na totalidade. Além disso, o hospital é uma instituição marcada por muito sofrimento e pela luta constante entre vida e morte. O psicólogo, quando inicia seu trabalho na instituição hospitalar, encontra diversas reações de comportamento, muitas vezes patológicas e ocasionados pelo estresse que o paciente sofre com o impacto do adoecimento e da internação.

Além do aspecto da hospitalização, é cada vez mais reconhecida a importância dos fatores psicológicos, sociais e culturais nas doenças e no adoecer, desde seu início à reabilitação. Os aspectos emocionais podem alterar as reações e habilidades, modificando a aderência ao tratamento e as tomadas de decisões que influenciarão as chances de sobreviver. Diante desses aspectos, um dos objetivos do psicólogo que atua na área hospitalar é identificar e compreender os fatores emocionais que intervêm na saúde do paciente, colaborado para o enfrentamento da doença e tratamento, diminuindo assim, o sofrimento do mesmo e de sua família. Dessa forma, a psicologia hospitalar visa à promoção e à manutenção da saúde física e emocional, além da prevenção e o tratamento de doenças.

 

 Histórico da Psicologia Hospitalar

 

A história da Psicologia Hospitalar remonta a 1818, quando, no Hospital McLean, em Massachussets, formou-se a primeira equipe multiprofissional que incluía o psicólogo. Nesse mesmo hospital foi fundado, em 1904, um laboratório de psicologia onde foram desenvolvidas pesquisas pioneiras sobre a Psicologia Hospitalar. (Ismael, 2005; Bruscato, Benedetti & Lopes, 2004).

No Brasil, os primeiros serviços de Higiene Mental foram fundados na década de 30, como propostas alternativas à internação psiquiátrica, e o psicólogo inaugura, junto à Psiquiatria, seu exercício profissional na instituição de saúde. Os relatos de inserção do psicólogo em hospitais começam na década de 50, com Matilde Neder instalando um Serviço de Psicologia Hospitalar no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. (op cit.). 

Matilde Neder, ao ser convidada para o trabalho, procurou fazer uma adaptação técnica de seu instrumental teórico, acoplando-o à realidade institucional. Houve então a criação de modelos teóricos de atendimentos que visavam agilizar esses atendimentos afim de torná-los adequados à realidade hospitalar. (Angerami-Camon, Chiattone & Nicoletti, 2004).

Na década de 70, Bellkiss Wilma Romano Lamosa é convidada para implantação do Serviço de Psicologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Na ocasião, Bellkiss já havia atuado em diversas unidades do Hospital das Clínicas da USP, mas ao assumir esta responsabilidade, estava sedimentando a atividade e cravando seu nome no percurso e história da mesma. (op cit.).

O primeiro curso de Psicologia Hospitalar do país foi oferecido pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1976, sob responsabilidade de Bellkiss W.R.Lamosa. (op cit.).

Em 1979, Regina D’Aquino cria, em Brasília, um trabalho junto a pacientes terminais, tornando-se um dos grandes marcos da atuação frente à morte e suas implicações. No mesmo ano, Wilma C. Torres inicia, como coordenadora, o Programa de Estudos e Pesquisas em Tanatologia da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro. (op cit.).

Em 1981 o Instituto Sedes Sapientiae de São Paulo oferece o primeiro curso de Especialização em Psicologia Hospitalar, sob a responsabilidade de Valdemar Augusto Angerami-Camon. Marli Rosani Meleti normatiza, em 1982, após anos de atividades, o Setor de Psicologia do Serviço de Oncologia Ginecológica da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência. No mesmo ano, Heloisa Benevides Carvalho Chiattone implanta o Setor de Psicologia do Serviço de Pediatria do Hospital Brigadeiro em São Paulo. (op cit.).

O I Encontro Nacional de Psicólogos da Área Hospitalar foi promovido pelo Serviço de Psicologia do Hospital das Clínicas da USP em 1983, sob responsabilidade geral de Bellkiss W.R. Lamosa. Este foi o primeiro evento de âmbito nacional a reunir os diversos psicólogos que atuavam de maneira dispersa pelos mais diferentes pontos do país. (op cit.).

Durante muito tempo, a psicologia hospitalar utilizou-se de recursos técnicos e metodológicos de outras áreas do saber psicológico, que nem sempre se mostraram adequados ao contexto hospitalar. A inexistência de um paradigma claro que pudesse definir estratégias dificultou a oportunidade de legitimação do espaço psicológico nas instituições de saúde. A partir da pluralidade evidenciada no exercício da psicologia no contexto hospitalar, iniciou-se um direcionamento de pesquisas e publicações a respeito dessas práticas a fim de se fortalecer a identidade do profissional dessa área. (Angerami-Camon, 2002).

Desde o ano 2000, a Psicologia Hospitalar foi reconhecida como uma especialidade pelo Conselho Federal de Psicologia. Além disso, a fundação da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar (SBPH), em 1997, vem fortalecendo a área no cenário brasileiro. A sociedade tem por objetivo ampliar o campo de conhecimento científico e promover cada vez mais o profissional que se dedica a este campo. (Ismael, 2005).

 

A Psicologia Hospitalar

 

“A Psicologia hospitalar é o campo de entendimento e tratamento dos aspectos psicológicos em torno do adoecimento”. (Simonetti, 2004, p. 15). Para lidar com essa dimensão afetiva/emocional, a Psicologia Hospitalar é a especialidade da Psicologia que disponibiliza para doentes, familiares e profissionais da equipe de saúde, o saber psicológico, que vem a resgatar a singularidade do paciente, suas emoções, crenças e valores. (Bruscato et al, 2004).

Segundo Simonetti (2004) o objeto da psicologia hospitalar é os aspectos psicológicos e não as causas psicológicas. Para o autor, psicologia hospitalar não trata apenas das doenças com causas psíquicas, mas sim dos aspectos psicológicos de toda e qualquer doença. Desta forma, toda doença apresenta aspectos psicológicos; toda doença encontra-se repleta de subjetividade, e por isso, pode-se beneficiar do trabalho da psicologia hospitalar.

Simonetti (2004) afirma que, diante da doença, o ser humano manifesta subjetividades, tais como sentimentos, desejo, pensamentos e comportamentos, fantasias e lembranças, crenças, sonhos, conflitos e o estilo de adoecer. Esses aspectos podem aparecer como causa da doença, como desencadeador do processo patogênico, como agravante do quadro clínico, como fator de manutenção do adoecimento, ou ainda como conseqüência desse adoecimento.  

Nesse sentido, o objetivo da psicologia hospitalar é a elaboração simbólica do adoecimento, ou seja, ajudar o paciente a atravessar a experiência do adoecimento através de sua subjetividade. Para concretizar a sua estratégia de trabalhar o adoecimento no registro do simbólico, a psicologia hospitalar utiliza duas técnicas: escuta analítica e manejo situacional. A primeira reúne as intervenções básicas da psicologia clínica, como escuta, associação livre, interpretação, etc. A segunda técnica engloba intervenções direcionadas à situação concreta que se forma em torno do adoecimento. No hospital, é preciso sair da posição de neutralidade e passividade, características da psicologia clínica. (Simonetti, 2004).

O setting terapêutico na realidade hospitalar é peculiar: o psicólogo deve adaptar sua atuação visto que os espaços e condições hospitalares são muito diferentes do setting da atuação clínica em consultório. (Ismael, 2005). O espaço físico não é privativo ao atendimento psicológico, como o valorizado na teoria e modelo de consultório. O atendimento pode ser interrompido a qualquer momento por médicos, enfermeiros e técnicos, que estão cumprindo seus deveres e suas funções. Além disso, pode ser necessário atender ao paciente no meio de outros vários pacientes, se for em uma grande enfermaria. Nesses casos, há impossibilidade de se manter sigilo.

Diante desses aspectos, a postura do psicólogo é importante para a sua inserção no hospital – deve ser flexível com o objetivo de contornar as dificuldades e reconhecer que seu trabalho sofrerá interrupções, adiantamentos e cancelamentos fora de sua esfera de controle, pois a prioridade das ações médicas tem que ser respeitada. O psicólogo ainda deve conhecer a doença do paciente a quem ele presta atendimento, além de sua evolução e prognóstico. (Romano, 1999; Ismael, 2005).

Acompanhar a evolução do paciente quanto aos aspectos emocionais que a doença traz é o objetivo principal do trabalho. Mas o psicólogo pode ainda utilizar de grupos educativos, que facilitam a conscientização do paciente e família no contexto da doença e das formas de tratamento, e trabalhos em equipe no sentido de facilitar a relação equipe/paciente/família.

 

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Romano, B.W. (1999). Princípios para a prática da psicologia clínica em hospitais. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Simonetti, A. (2004). Manual de Psicologia Hospitalar: o mapa da doença. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Ismael, S.M.C. A inserção do psicólogo no contexto hospitalar. In S.M.C. Ismael (org). (2005). A prática psicológica e sua interface com as doenças. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Bruscato, W.L.; Benedetti, C. & Lopes, S.R.A. (org). (2004). A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: novas páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Angerami-Camon, V.A. (org). (2002). Psicologia da Saúde: Um novo significado para a prática clínica. Pioneira: São Paulo

Angerami-Camon, V.A. Psicologia hospitalar: passado, presente e perspectivas. In V.A. Angerami-Camon, H.B.C. Chiattone, E.A. Nicoletti. (2004). O doente, a psicologia e o hospital. (3. ed.). Pioneira: São Paulo.

Angerami-Camon, V.A., Chiattone, H.B.C. & Nicoletti, E.A. (2004). O doente, a psicologia e o hospital. (3. ed.). Pioneira: São Paulo.

Angerami-Camon, V.A. (org). (2006). Psicologia Hospitalar: teoria e prática. Pioneira: São Paulo

American Psychological Association. (2006). Manual de estilo da APA: regras básicas. (M.F. Lopes, trad.). Porto Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 2005).

Bruscato, W.L. A psicologia no Hospital da Misericórdia: um modelo de atuação. In W.L. Bruscato; C. Benedetti & S.R.A. Lopes (org). (2004). A prática da psicologia hospitalar na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo: novas páginas em uma antiga história. São Paulo: Casa do Psicólogo.

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